Publicação
original: Revista Ruptura. Ano 01, num.
01, maio de 1993.
Fonte
da versão base:
Transcrição:
Tradução:
Nildo Viana
Autorização
para publicação: Revista Ruptura.
Informações
adicionais:
O desmoronamento repentino da grande ação da
classe operária belga, para a qual estavam
dirigidas os olhares de todo o proletariado
internacional, é um duro golpe para o movimento de
todos os países. Seria inútil nos consolar com as
frases gerais habituais dizendo que a luta só está
adiada, que cedo ou tarde também ganharemos na
Bélgica. Para julgar tal ou qual episódio da luta
de classes, não basta considerar a marcha geral da
História, que no fim das contas nos beneficia.
Esta não é mais do que a CONDIÇÃO objetiva de
nossas lutas e vitórias. O que é preciso
considerar são os elementos subjetivos, a atitude
consciente da classe operária combativa e seus
chefes, atitude que aposta para assegurarmos a
vitória pelo caminho mais rápido. Deste ponto de
vista, imediatamente depois da derrota, nossa
primeira tarefa é darmos conta o mais claramente
possível de suas causas.
I -
Quando Triunfa o Oportunismo
O que surge antes de tudo com absoluta
clareza quando se passa em revista a interrompida
campanha das últimas semanas, é a falta de uma
tática clara e conseqüente de nossos líderes
belgas.
Como primeira medida vemo-los limitar a luta
ao marco da câmara. Ainda que desde o começo não
houvera, por assim dizer, nenhuma esperança de que
a maioria clerical capitularia, a fração
socialista parecia não querer proclamar a greve
geral. Esta eclodiu pela decisão soberana da massa
proletária impaciente. Em 14 de abril podia-se ler
no LE PEUPLE de Bruxelas: Se disse que o governo
está decidido a manter-se até o fim, e também a
classe se prepara para tudo. E por isso a greve
geral acaba de ser proclamada em todo o país, não
pelos órgãos políticos do partido, sendo por seus
órgãos econômicos, não pelos seus deputados, sendo
por seus delegados sindicais. É o próprio
proletariado organizado que, não vendo outros
meios para vencer, acaba de decidir solenemente
interromper o trabalho em todas as partes".
O deputado Demblom, em 18 de abril, fez a
mesma comprovação na câmara: "Quem se atreveria a
dizer ainda hoje que nada está em estado de
agitação, sendo os próprios agitadores, frente a
fulminante explosão da greve geral, que nós mesmos
não esperávamos?" (veja-se informe parlamentar de
LE PEUPLE de 19 de abril).
Ao haver eclodido espontaneamente a greve
geral, os chefes socialistas se declararam
imediatamente solidários das massas e da greve
geral, como o supremo meio de luta. A GREVE GERAL
ATÉ A VITÓRIA, tal foi a palavra lançada pela
fração socialista e pela direção do partido. Em 15
de abril LE PEUPLE escreve "Desde o fundo de sua
alma, os socialistas haviam desejado não verem-se
levados à greve geral, e o congresso de páscoa do
partido, remetendo-se às circunstâncias para
determinar o instrumento conveniente de luta, não
havia decidido nada a respeito... porém somente a
greve geral é capaz de nos assegurar
definitivamente e apesar de tudo a vitória".
LE PEUPLE de 17 de abril diz: "Não há
cansaço nem desânimo na classe operária, o juramos
seu nome, lutaremos até a vitória".
LE PEUPLE de 18 de abril afirma: "A greve
geral durará tanto tempo quanto necessário para
conquistar o sufrágio universal".
No mesmo dia, o conselho geral do partido
operário decidiu CONTINUAR A GREVE GERAL, depois
que a câmara rechaçara a revisão.
Na manhã de 20 de abril, o órgão central do
partido de Bruxelas assegura: "Continuar a greve
geral é salvar o sufrágio universal".
E no mesmo dia, a fração socialista e a
direção do partido, com uma súbita meia volta,
decidiram terminar a greve geral.
As mesmas vacilações se manifestaram com
respeito a outra palavra de ordem da campanha: A
dissolução do parlamento. Quando em 15 de abril,
os liberais reclamaram a câmara, os socialistas se
abstiveram de intervir e portanto não votaram
tampouco a favor do adiamento do momento decisivo,
adiamento desejado pela burguesia.
Postos frente à decisão de terminar a greve
geral, nossos camaradas retomam essa palavra de
ordem e LE PEUPLE de 20 de abril recomenda aos
operários: "Reivindicar por todas as partes e a
voz em coro a dissolução do parlamento. Inclusive
até estes últimos dias se nota um giro sobre o
mesmo tema na atitude dos chefes. LE PEUPLE de 20
de abril apresenta A BREVE GERAL como o único meio
de impor a dissolução da câmara. Porém, nesse
mesmo dia , a direção do partido decide terminar a
greve geral, e desde então a única via que permite
conseguir a dissolução do parlamento parece ser a
intervenção do rei.
Assim se emaranharam, se cruzaram e se
chocaram mutuamente as diferentes palavra de ordem
no transcurso da recente campanha belga: Obstrução
ao Parlamento, Greve Geral, Dissolução da Câmara,
Intervenção do Rei. Nenhuma dessas bandeiras foi
prosseguida até o final e por último toda a
campanha foi sufocada de um só golpe, sem nenhuma
razão aparente, e os operários foram mandados de
volta à suas casas, consternados, com as mãos
vazias.
Se não se podia esperar que a maioria
parlamentar consentisse em revisar a constituição,
não se compreende porque se recorreu à greve
geral, com tanta vacilação e repugnância. Não se
explica porque, de pronto, precisamente quando
tomava um bom impulso, foi suspenda quando se
havia reconhecido que era o único meio de luta.
Se a dissolução do parlamento e novas
eleições realmente deixavam prever a derrota dos
clericais, é impossível então a passividade de
nossos deputados quando os liberais propuseram
dissolver o parlamento, e mais impossível todavia
é compreender toda a campanha atual para a revisão
da constituição, que de todos os modos podia ser
conseguida efetivamente nas próximas eleições.
Porém se é vã a esperança posta em novas eleições
no desprezível sistema eleitoral atual, é por sua
vez incompreensível o entusiasmo atual dos
socialistas por esta bandeira.
Todas estas contradições parecem insolúveis
no entanto se analisa a tática socialista em si na
campanha belga, porém elas se explicam muito
simplesmente enquanto se considera o campo
socialista em sua união com o campo LIBERAL.
Antes de tudo foram os liberais quem
determinaram o programa dos socialistas na recente
luta. Fundamentalmente por desígnio o partido
operário teve que renunciar ao sufrágio feminino
para adotar a representação proporcional como
cláusula da constituição.
Os liberais ditaram aos socialistas os MEIOS
da luta, erguendo-se CONTRA a greve geral
inclusive antes que houvera eclodido, impondo-lhes
os limites legais quando se desencadeou, lançando
primeiro a bandeira da dissolução da câmara,
apelando ao rei como árbitro supremo e decidindo
por fim em sua sessão do dia 19, CONTRARIAMENTE a
decisão da direção do partido de 18 de abril, a
culminação de greve geral. A tarefa dos chefes
socialistas vinha sendo transmitir à classe
operária as bandeiras lançadas por seus aliados e
fazer a música da agitação que correspondia ao
texto liberal. Finalmente em 20 de abril, os
socialistas puseram em execução a última decisão
dos liberais mandando a retirada de suas tropas.
Assim, em toda a campanha, os LIBERAIS
aliados com os socialistas aparecem como os
verdadeiros CHEFES, os socialistas como seus
submetidos executantes e a classe operária como
uma massa passiva, arrastada pelos socialistas a
reboque da burguesia.
A atitude contraditória e tímida dos chefes
de nosso partido belga se explica pela sua posição
intermediária entre a massa operária, que se lança
na luta, e a burguesia liberal que a retém por
todos os meios.
II -
Parlamentarismo ou Ação de Massa
Não somente o caráter vacilante desta
campanha, mas também sua derrota final,
explicam-se pela posição dirigente dos liberais.
Na luta pelo sufrágio universal desde 1886
até o momento atual, a classe operária belga fez
uso da greve de massas como o meio político mais
eficaz. Foi a greve de massas a que se deveu, em
1891, a primeira capitulação do governo e o
parlamento: o começo da revisão da constituição. A
ela se deveu, em 1893, a segunda capitulação do
partido dirigente: o sufrágio universal com voto
plural.
É evidente que, inclusive desta vez, somente
a pressão das massas operárias sobre o parlamento
e sobre o governo permitiu arrancar um resultado
palpável. Se a defesa dos clericais foi
desesperada já no último decênio do século
passado, quando não se tratava mais do que o
começo das concessões, a toda vista devia
converter-se em uma luta de morte agora que se
trata de entregar o resto: a dominação
parlamentar. Era evidente que os ruidosos
discursos na câmara não podiam conseguir nada.
Fazia falta a pressão máxima das massas para
vencer a resistência máxima do governo.
Frente a isto, as vacilações dos socialistas
em proclamar a greve geral, a esperança secreta
porém - evidente, ou pelo menos o desejo de
triunfar no possível, SEM recorrer à greve geral,
aparecem desde o começo como o primeiro sintoma do
reflexo da política liberal sobre nossos
camaradas, desta política que em todas as épocas,
sabe-se, crê poder quebrar as muralhas da reação
com o som das trombetas da grandiloqüência
parlamentar.
Não, obstante, a aplicação da greve geral na
Bélgica é um problema claramente determinado pela
sua repercussão ECONÔMICA direta, a greve atua
antes de tudo em desfavor da burguesia industrial
e comercial, e em uma medida muito reduzida
somente em detrimento de seu inimigo verdadeiro, o
partido clerical. Na luta atual, a repercussão
POLÍTICA da greve de massas sobre os clericais no
poder não pode ser, portanto, mais que um efeito
INDIRETO exercido pela pressão que a burguesia
liberal, molestava pela greve geral transmite ao
governo clerical e a maioria parlamentar. Além
disso a greve geral também exerce uma pressão
política DIRETA sobre os clericais,
aparecendo-lhes como o precursor, como a primeira
etapa de uma verdadeira revolução andarilha em
gestação, para a Bélgica, a importância política
das massas operárias em greve residiu sempre, e
ainda hoje, no fato de que em caso de rechaço
obstinado da maioria parlamentar, estão dispostas
e são capazes de vencer o partido no poder por
meio de distúrbios, por meio de sublevações
andarilhas.
A aliança e o compromisso de nossos
camaradas belgas com os liberais privaram a greve
geral de seu efeito político em dois pontos.
Impondo de ANTEMÃO limites e formas legais à
luta, submisso à pressão dos liberais, proibindo
toda manifestação, todo espírito da massa,
dissipavam a força política latente da greve
geral. Os clericais não tinham porque temer uma
greve geral que DE TODAS AS MANEIRAS não queria
ser outra coisa que uma greve pacífica. Uma greve
geral, acorrentada de ANTEMÃO aos grilhões da
legalidade, se assemelha a uma demonstração de
guerra com canhões cuja carga haveria sido
previamente arremessada à água, a vista do
inimigo. Nem sequer um menino se assusta de uma
ameaça "com os punhos no bolso", assim como o
aconselha seriamente LE PEUPLE aos grevistas, e
uma classe no poder, lutando até a morte por sua
dominação política, se assusta menos ainda.
Precisamente por isso em 1891 e 1893 lhe bastou ao
proletariado belga com abandonar tranqüilamente o
trabalho para romper a resistência dos clericais
que podiam temer que a paz se transformaria em
distúrbio e a greve em revolução. Por isso,
inclusive desta vez, a classe operária talvez não
houvera necessitado recorrer à violência se os
dirigentes não houvessem descarregado sua arma de
ANTEMÃO, se não houvessem feito da expedição de
guerra uma parada dominical e do tumulto da greve
um simples alarme falso.
Porém, em segundo lugar, a aliança com os
liberais aniquilou o outro efeito, o efeito direto
da greve geral. A pressão da greve sobre a
burguesia só tem importância política se a
burguesia estiver obrigada a transmitir esta
pressão a seus superiores políticos, os clericais
que governam. Mas esta só se produz se a burguesia
se sente subitamente assaltada pelo proletariado e
se vê incapaz de escapar a este impulso.
Este efeito se perde quando a burguesia se
encontra em uma situação cômoda que lhe permite
deslocar sobre as massas proletárias que leva a
reboque, a pressão que padece, antes que
transmita-a aos governos clericais
desembaraçando-se deste modo de um peso difícil
como um simples movimento de ombro. A burguesia
belga se encontrava precisamente nesta situação no
transcurso da última campanha: graças à aliança
ela podia determinar os movimentos das colunas
operárias e fazer cessar a greve geral em caso de
necessidade. Isto é o que ocorreu e enquanto a
greve começou a incomodar seriamente à burguesia,
esta lançou a ordem de voltar ao trabalho. E aqui
terminou a "pressão" da greve geral.
Assim, a derrota final aparece como
consequência inevitável da tática de nossos
camaradas belgas. Sua ação parlamentar não deu
resultados porque a pressão da greve geral que
apoiava esta ação não se apresentou e a greve
geral tampouco por ter, atrás dela, não estava o
espectro ameaçador do livre desenvolvimento do
movimento popular, o espectro da revolução.
Em uma palavra, a ação extra parlamentar foi
sacrificada à ação parlamentar, porém,
precisamente por causa disto, ambas foram
condenadas à esterilidade, e toda a luta ao
fracasso.
III
- O Burocratismo Contra a Espontaneidade
O episódio da luta pelo sufrágio universal
que acaba de terminar representa uma reviravolta
no movimento operário belga. Pela primeira vez na
Bélgica o partido socialista entrou na luta ligado
ao partido liberal por um compromisso formal, e,
do mesmo modo que a fração ministerialista do
socialismo francês aliado ao radicalismo se
encontrou na situação de Prometeu Acorrentado.
Saberão ou não libertar-se nossos camaradas do
abraço asfixiante do liberalismo? Da resposta a
esta pergunta depende, não vacilarmos em dizer, o
futuro do sufrágio universal na Bélgica e do
movimento operário em geral. Porém a experiência
recente dos socialistas belgas é preciosa para o
proletariado internacional. Não será novamente
sendo um efeito desse sopro fraco e enervante do oportunismoque sopra
a alguns anos, e que se manifestou na aliança
funesta de nossos amigos belgas com a burguesia
liberal.
A decepção que acabamos de sofrer na Bélgica
deve nos por em guarda contra uma política que,
estendem-se a todos os países conduziria a graves
derrotas e finalmente ao relaxamento da disciplina
e da confiança ilimitada que as massas operárias
tem em nós, os socialistas; destas massas sem as
quais não somos nada e que algum dia poderíamos
perder com ilusões parlamentares e experiências
oportunistas.