O marxismo é
uma corrente política e teórica que surgiu com
a obra de Karl Marx e vem se desenvolvendo até
os dias de hoje. Várias contribuições foram
fornecidas a esta corrente durante o século 20
e dentre elas se destaca a de Rosa Luxemburgo.
Rosa Luxemburgo nasceu no ano em que
ocorreu a primeira experiência autogestionária
da história, ou seja, no ano em que foi
proclamada a famosa Comuna de Paris pelos
operários franceses (1871). Ela era natural da
Polônia, e morreu em 1919, na Alemanha,
assassinada pelos militares durante o governo
social-democrata. A contribuição teórica de
Rosa Luxemburgo ao marxismo é extensa e
envolve várias questões, tais como a expansão
do capitalismo mundial (Luxemburgo, 1983), a
questão nacional (Luxemburgo, 1988), etc.
Entretanto, foi nas suas polêmicas com a
social-democracia (Kautsky, Berstein) e com o
bolchevismo (Lênin e Trótski) que Rosa
Luxemburgo desenvolveu os aspectos mais
importantes do seu pensamento. Contra a
social-democracia enfatizou os limites
históricos do capitalismo e contra o
bolchevismo enfatizou a espontaneidade
revolucionária da classe operária. Além disso,
criticou em ambos o burocratismo.
Segundo Rosa Luxemburgo, as contradições
do capitalismo provocaria sua destruição e é
com este argumento que ela derruba a tese
social-democrata de “reformar” o capitalismo
ao invés de aboli-lo (Luxemburgo, 1983;
Luxemburgo, 1986). Entretanto, a forma como
ela via a derrocada do modo de produção
capitalista apresentava algumas deficiências,
embora a sua análise esclareça aspectos
parciais da contradição do capitalismo. Na
verdade, ao enfatizar a questão da reprodução
do capitalismo, ela deixou de lado a questão
da produção e das contradições inerentes a
esta e é justamente aí que se encontra o
“calcanhar de Aquiles” do capitalismo, a
chamada “composição orgânica do capital”(Marx,
1988).
O mais importante da contribuição de
Rosa Luxemburgo ao marxismo foi produzido na
sua polêmica com Lênin. Rosa Luxemburgo
criticou duramente a concepção leninista de
partido político. Para Lênin, a classe
trabalhadora só se libertaria quando tivesse
um partido político centralizado que lhe
dirigisse. Para Rosa Luxemburgo, retomando as
teses de Marx, a “emancipação da classe
operária é obra da própria classe operária” e
por isto nenhum centralismo ou burocratismo
devem ser aceitos. Para ela, o movimento
socialista é o próprio movimento da classe
operária e portanto deve haver uma
subordinação das organizações políticas à
classe trabalhadora. Assim, ela disse que: “o
único ‘sujeito‘ ao qual corresponde hoje o
papel de dirigente é o eu coletivo da classe
operária, que reclama resolutamente o direito
de cometer ela mesma os equívocos e de
aprender por si só a dialética da história”
(Luxemburgo, 1985, p. 39-40).
Ora, se Rosa Luxemburgo defende a tese
da derrocada inevitável do capitalismo, então
qual é a razão da defesa da “espontaneidade
revolucionária do proletariado”? Para os seus
críticos, era o seu “catastrofismo” (a queda
inevitável de capitalismo) que gerava sua
teoria da espontaneidade. Entretanto, esta
explicação não se sustenta, pois o
“catastrofismo” não leva,
necessariamente, ao “espontaneísmo” e o
italiano Amadeo Bordiga é um bom exemplo
oposto, já que ele acreditava na
inevitabilidade da “crise final do
capitalismo”, mas defendia a tese de que era
necessário um partido político centralizado
para dirigir a classe operária.
A defesa da espontaneidade por Rosa
Luxemburgo tem outra motivação: a derrocada do
capitalismo é inevitável mas nada garante que
o resultado desta queda seja o socialismo. Daí
sua palavra de ordem: ”socialismo ou
barbárie”. Portanto, para além da visão do fim
do capitalismo é necessário enxergar a gênese
do socialismo. A teoria da espontaneidade
revolucionária do proletariado surge da
compreensão de que o socialismo é produto da
luta operária e é compreendendo esta que se
pode elaborar uma prática política consciente
voltada para a realização dos objetivos
propostos.
Rosa Luxemburgo realizou
um esforço fundamental para compreender a luta
operária e foi graças a isto que ela pode
retomar a “tese anarquista” da greve de massas
como fundamento da estratégia socialista
(Luxemburgo, 1977; Guérin, 1982). Se é no
movimento real dos trabalhadores que se
descobre a forma de sua emancipação, então é
através da experiência histórica do
proletariado que se pode reconhecer como isto
ocorrerá. A eclosão das greves de massas na
Europa e Rússia no início do século
possibilitou a Rosa Luxemburgo visualizar a
forma de produção da sociedade socialista.
Outro elemento importante
do pensamento de R. Luxemburgo é a sua crítica
ao burocratismo (Tragtenberg, 1991). Ela
critica o parlamentarismo burguês, pois ele é
uma das fontes de corrupção do movimento
socialista, assim como o centralismo
blanquista-jacobino proposto por Lênin, que
submete a classe trabalhadora ao domínio da
burocracia partidária (que, assumindo o poder
estatal, desempenha o mesmo papel que a classe
capitalista, tal como aconteceu na Rússia) e
os perigos disto Rosa Luxemburgo já havia
observado em seu texto de crítica ao golpe de
estado dos bolcheviques na Rússia (Luxemburgo,
1991).
Em síntese, a obra de Rosa Luxemburgo
encerra um capítulo fundamental da história do
marxismo. Tal como colocou Oskar Negt: “Como
quer que queiramos definir as formas de
organização que se orientam para a autogestão,
a autodeterminação e o controle, a democracia
do conselhos operários, elas são, em toda a
sua multiplicidade, formas de emancipação dos
oprimidos, dos explorados e dos deserdados
desse mundo, características de todo um
período histórico.( ...). Deste ponto de
vista, Rosa Luxemburg formulou um programa
histórico que permanece atual até os dias de
hoje.( ...).Todavia, se é evidente que nem um
ordenamento social hoje existente está
organizado segundo a idéia originária dos
conselhos, esta idéia não perdeu seu poderoso
fascínio, não evidentemente porque pequenos
grupos de utópicos, que ignoram as leis
objetivas da sociedade industrial, continuem a
propagandeá-la: a idéia de autogestão por meio
dos conselhos ganha terreno quando os sistemas
de poder político oficiais trazem em si o
germe da ruína, quando as burocracias de
partido ou os órgãos representativos do estado
burguês, que se tornaram autônomos, não estão
mais em condições [podemos perguntar: algum
dia estiveram? — NV] de exprimir os interesses
elementares da grande maioria do povo” (Negt,
1986, p. 36-37).
Referências Bibliográficas
Guérin, Daniel. Rosa Luxemburgo e a
Espontaneidade Revolucionária. São
Paulo, Perspectiva, 1982.
Luxemburg, Rosa. A Acumulação de
Capital. 3a edição, Rio de Janeiro,
Zahar, 1983.
Luxemburg, Rosa. A Questão Nacional
e a Autonomia. Belo Horizonte, Oficina
de Livros, 1988.
Luxemburg, Rosa. Greve de Massas,
Partidos e Sindicatos. in: Textos
escolhidos. Lisboa, Estampa, 1977.
Luxemburgo, Rosa. A Revolução Russa.
Petrópolis, Vozes, 1991.
Luxemburgo, Rosa. Questões de
Organização da Social-democracia Russa. in:
Luxemburgo, Rosa & Lênin, Wladimir. Partidos
de Massas ou Partido de Vanguarda. São
Paulo, Nova Stella, 1985.
Luxemburgo, Rosa. Reforma Social ou
Revolução? São Paulo, Global, 1986.
Marx, Karl. O Capital. 5 vols.
São Paulo, Abril Cultural, 1988.
Negt, Oskar. Rosa Luxemburg e a
Renovação do marxismo. 2a edição, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1986.
Tragtenberg, Maurício. Rosa Luxemburgo e
a Crítica aos Fenômenos Burocráticos. in:
Loureiro, Izabel & Vigevani, Túlio.
(orgs.). Rosa Luxemburg: A Recusa da
Alienação. S. Paulo, UNESP, 1991.