DAS GREVES ISOLADAS À GREVE GERAL E DE OCUPAÇÃO ATIVA

 

            Edmilson Marques

 

Publicação original: Revista Enfrentamento, ano 07, n. 11, 2012

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Autorização para publicação: Revista Enfrentamento

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O capitalismo é acompanhado em toda a sua história por um embrião que ele próprio gerou. Embrião que tende a, uma ou outra hora, provocar o rebento contra a vontade de seu gerador. Este embrião a greve operária. Esta é um fenômeno complexo, sendo o resultado de múltiplas determinações, vista predominantemente como algo negativo, ruim, a causa de desordens para a vida na sociedade, por isso sempre reprimida pelos patrões e pelo estado. Mas, ao analisar o processo histórico das greves, observa-se que representa a expressão de luta de indivíduos descontentes com alguma questão que incomoda sua vida na sociedade.

Devido a essa dubiedade interpretativa em relação à greve é que buscaremos discutir a razão de ser da greve, assim como o porquê esta representa um embrião, e sendo um embrião, o que pode ser gerado daí. Enfim, buscaremos analisar algumas determinações existentes em torno das greves isoladas e a necessidade de sua passagem para a greve geral aliada à greve operária e de ocupação ativa. Assim, acreditamos esclarecer a razão de ser destas concepções apresentadas anteriormente.

Rosa Luxemburgo (2011b, p. 299) coloca que a greve “é o pulso vivo da revolução e, ao mesmo tempo, seu motor mais poderoso [...] é o modo de movimentação da massa proletária, a forma de expressão da luta proletária na revolução”. A greve é fruto da ação de indivíduos descontentes com alguma questão que dificulta a vida que levam na sociedade. As paralisações laborais pré-capitalistas são frutos deste descontentamento, e no capitalismo, expressa a sua ampliação e aprofundamento. Assim, “as diversas formas de paralisações da atividade laboral antes do advento da consolidação do capitalismo moderno são antecedentes históricos das greves operárias” (VIANA, 2008, p. 24).

A questão fundamental e razão de ser da greve, portanto, é a existência de modos de produção determinados pela divisão social do trabalho, ou seja, de sociedades divididas em classes sociais. E isso se dá porque em uma sociedade de classes sempre haverá uma classe que domina, oprime e explora outras classes; uma classe que desfruta de uma vida privilegiada (comida farta e boa, moradia confortável, etc.), que devido ao interesse de manter seus privilégios, submetem outros indivíduos à opressão e exploração, e por isso, os constrange a lutarem para transformar as condições deprimentes de sua vida, e uma das expressões desta luta é a greve, através da qual abre a possibilidade da emancipação histórica da humanidade. Como colocou Marx, “uma das formas mais comuns de movimento pela emancipação são as greves” (MARX, 2003, p. 119).

Vejamos de forma breve o processo que provoca o desencadeamento de movimentos pela emancipação no capitalismo e porque a greve operária se torna o motor da transformação social, da emancipação humana. No processo de geração e desenvolvimento do capitalismo, a burguesia se apropriou dos meios de produção utilizados na produção dos meios essenciais e indispensáveis para a sobrevivência da vida humana, e, desta forma, instituiu uma sociedade onde a maioria dos indivíduos que a compõe é destituída destes meios de produção. Assim, para sobreviverem, foram obrigados a vender sua força de trabalho em busca de um salário, através do qual adquirem aquilo que necessitam para sobreviver (moradia, comida, agasalhos etc.).

Marx (1988), em sua obra O Capital, demonstrou que o salário, no entanto, não corresponde à totalidade do trabalho realizado, mas a apenas parte dele. A outra parte não paga, o mais-valor, foi apropriada pelo burguês, que utiliza parte com gastos pessoais, parte transfere ao estado através de impostos, e ainda utiliza parte para reinvestir na própria fábrica, empresa etc. Desta forma, o trabalhador recebe um salário que é o suficiente para a manutenção de sua vida, e quando gasto, é constrangido a se vender novamente ao capitalista.

Nesta relação estabelecida, as riquezas produzidas pelo proletariado acabam atendendo aos interesses dos capitalistas, uma vez que “o capital põe a própria produção de riqueza como pressuposto de sua reprodução” (MARX, 2011, p. 447). No capitalismo, no entanto, tudo é transformado em mercadorias. Assim, a produção e distribuição alargada de mercadorias promove a expansão capitalista (consequentemente a mercantilização e burocratização das relações sociais). Com esta expansão os capitalistas criam a necessidade de ter um auxiliar que garanta o funcionamento de suas fábricas, empresas etc., enfim, da totalidade das relações de produção e distribuição existente. A questão é que sozinhos,

 

Os capitalistas seriam incapazes de manter esta ordem desejada por eles. No processo de desenvolvimento do capitalismo, surge outra classe que vem auxiliar a burguesia no domínio e exploração do proletariado, tratando-se da burocracia (MARQUES, 2011, p. 35).

 

Por isso a burguesia se apropriou do estado e fez deste seu auxiliar, tornando-o o responsável pelo controle de toda a sociedade. Assim, “sob o capitalismo, a burocracia é assimilada pela burguesia” (TRAGTENBERG, 1974, p. 190). A burocracia estatal e suas diversas frações, reforça o controle já exercido pela burguesia sobre os trabalhadores, controle este que passa a ser exercido em todos os cantos da sociedade. O controle e repressão tornam-se os meios fundamentais que a burocracia utiliza para reproduzir o capitalismo.

O que ocorre é que o controle realizado pelo estado gera a repressão. Este passa a reprimir brutalmente aqueles que subvertem a ordem existente. Cria-se, desta forma, uma sociedade em que “a humanidade encontra-se diante da alternativa: decomposição e declínio da anarquia capitalista ou renascimento pela revolução social” (LUXEMBURGO, 2011a, p. 257). Por isso que estando descontentes com a vida miserável que levam, com as diversas situações constrangedoras que a burguesia e a burocracia levam-nos a passarem (baixos salários, péssimas condições de trabalho, de moradia etc.), com o controle, opressão e exploração que sofrem, as classes oprimidas e exploradas reagem, e buscam em conjunto, a solução para estes problemas. É diante desta situação que os trabalhadores encontraram uma ferramenta poderosa para lutar contra a burguesia, a greve.

A greve se torna de fato uma ameaça à burguesia no momento em que atinge a razão de ser de sua existência, ou seja, no momento em que interfere na produção de mais-valor. E neste caso, a greve operária assume o papel fundamental na transformação social, já que na classe operária está a razão de ser do capitalismo, ou seja, é a quem cabe o papel fundamental de produção de mais-valor. Isto quer dizer que as diversas greves que eclodem no capitalismo só podem ameaçar a sociedade burguesa, se atingir e avançar para os locais de produção e aliarem-se a uma greve operária. Uma greve que não interfere no processo de produção e distribuição de mercadorias não representa algo tão preocupante para o capitalismo, já que a produção e apropriação de maisvalor continua ocorrendo.

 

A greve, enquanto mera paralisação das atividades, expressa uma luta contra o capital, já que compromete a extração de mais-valor. A extração do mais-valor é interrompida e por isso esta é a forma mais eficiente de pressão operária sobre o capital (VIANA, 2008, p. 25).

 

Na greve operária está o potencial para alterar as relações de produção e distribuição estabelecidas, a possibilidade real de abolir a relação de exploração que os capitalistas exercem sobre o proletariado. Assim, as greves que não atingem os locais de produção e distribuição de mercadorias, não representam uma ameaça direta ao capitalismo, principalmente se esta ficar restringida a uma determinada categoria. Porém, se esta greve atinge os locais de produção e distribuição de mercadorias, com o fechamento e apropriação de fábricas e comércios, ou impedindo o funcionamento da ordem estabelecida, por exemplo, impedindo que os meios de transportes continuem abastecendo os comércios, ou levando os trabalhadores às fábricas e comércios, aí sim gera uma ameaça ao capitalismo. É o momento em que pode eclodir o que Anton Pannekoek denominou de greve selvagem.

A radicalização da greve, que rompe com o dirigismo estabelecido pelas organizações burocráticas, ou que aponta para uma greve geral, atingindo outras categorias de trabalhadores, fortalece o processo de autonomização da luta dos trabalhadores. É neste momento que a classe trabalhadora deve generalizar a greve, buscando fortalecer sua luta ampliando-a para atingir outras categorias de trabalhadores. Isso dificulta o domínio do estado, já que a greve não fica restringida a uma determinada categoria isolada das demais, e uma vez que a classe trabalhadora marcha massivamente sobre o estado, torna-o enfraquecido diante de sua força.

Bem, mesmo que as greves empreendidas por categorias isoladas de trabalhadores não produtivos não representem uma ameaça direta ao capitalismo, esta contribui para a luta das classes oprimidas, já que possibilita o avanço da consciência e sua passagem para uma consciência revolucionária, momento em que pode iniciar o processo de autoorganização de sua luta. Por isso a greve representa um embrião da nova sociedade, isto é, representa o início de desenvolvimento de organizações autônomas em relação à burocracia, a partir da qual se visualiza o alvorecer de uma nova sociedade, onde a organização social passa a ser realizada pelos próprios trabalhadores.

Quando neste processo a ordem existente não entra em declínio, no caso de greves de determinada categoria isolada, os capitalistas ou a burocracia estatal faz a tentativa do acordo, com propostas para atender uma parte mínima dos interesses dos trabalhadores. Na maioria dos casos, a condição imposta para a efetivação do acordo, é o retorno imediato ao trabalho.

Ocorre, porém, que na história do capitalismo, estes acordos e propostas têm sido uma das estratégias utilizadas pelos capitalistas e pelo estado para a manutenção da ordem existente. Eles têm consciência que beneficiar a classe trabalhadora com maiores salários, melhores condições de trabalho, saúde, transporte etc., lhe custará muito dinheiro e diminuirá o[1] seu lucro. Por isso, criam estratégias para que as reivindicações apresentadas por trabalhadores em um momento de greve sejam atendidas parcialmente, ou melhor, o mais minimamente possível.

No segundo momento, se a classe trabalhadora abala a ordem existente - no caso de uma greve operária de ocupação e de luta aberta e radicalizada - o estado utiliza de todas as suas forças para retomar a organização social desejada pela burguesia. Assim, uma estratégia que tem surtido efeito na luta da burguesia pelo amortecimento da luta de classes, para frear o avanço da luta dos trabalhadores, foi a utilização de organizações burocráticas na intermediação das negociações em momentos de greve. É isso que fazem os sindicatos. O capitalismo o converteu em instrumento de sua própria luta. Apesar de declararem que são representantes dos interesses dos trabalhadores, o seu papel real nada mais é do que o de intermediar as negociações entre a classe trabalhadora e a burguesia, ou entre a classe trabalhadora e o estado. Desta forma, a luta não se dá de forma direta, o que poderia acarretar um avanço rápido e generalizado da luta dos trabalhadores.

Essa possibilidade da generalização da luta se dá porque na luta direta os trabalhadores percebem que não há negociação, nem mesmo acordo com aqueles que lhes controlam e exploram, já que estes últimos propõem negociações onde prevalecem os seus interesses, impondo-os sobre os trabalhadores, e obrigando-os a se submeterem ao papel mais pesado e vil desta sociedade, ao trabalho alienado. Mas “a consciência se desenvolve neste processo de luta (TRAGTENBERG, 2011, p. 25). Diante desta situação a classe trabalhadora chega à conclusão que o retorno ao trabalho representa o retorno da razão de ser de seu descontentamento cotidiano; o retorno de uma vida pautada pelos interesses daqueles que lhes exploram e oprimem.

Na luta direta não há intermediários, oportunistas, que se dizem representantes da coletividade. A burocracia dirigente se torna desprezível, por isso a razão de sua luta encarniçada para frear o avanço da luta dos trabalhadores, já que sua existência depende da existência recíproca de uma classe exploradora, e das classes exploradas e oprimidas continuando a reivindicar somente melhores condições de vida.

É pelo interesse do dirigismo que os sindicatos têm ficado do lado do capitalismo durante toda a sua história. O seu papel fundamental, como já dizia Marx, é negociar com os patrões, o preço da força de trabalho, e são controlados pelo estado. Maurício Tragtenberg (2011, p. 285-286) demonstra as estratégias criadas pelo estado para este controle. Vejamos:

 

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é que estabelece a estrutura, funcionamento e objetivos dos sindicatos. Conforme ela, os sindicatos se organizam por municípios ou regiões (base territorial), congregando uma mesma categoria profissional ou econômica.

Inicialmente, forma-se uma associação representante dos trabalhadores (CLT, artigo 511) depois ela pede seu reconhecimento no Ministério do Trabalho como sindicato (artigo 512 da CLT). Segundo o artigo 516, só pode haver um sindicato como representante da categoria e será reconhecido como tal o que tiver maior número de associados, mais serviços sociais mantidos a um patrimônio de maior valor. A associação preferida pelo Ministério receberá uma carta-reconhecimento como sindicato estabelecendo sua base territorial.

O maior dever do sindicato é colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social e manter serviços de assistência judiciária aos associados – assim, o Estado controla totalmente os sindicatos desde a fundação.

 

Ainda segundo o mesmo autor, outra estratégia do estado para controlar os sindicatos é a contribuição sindical. Vejamos em suas palavras o que ocorre no Brasil:

 

Nos termos do artigo 579 da CLT, todos os trabalhadores brasileiros, sejam ou não sindicalizados, estão obrigados a pagar o correspondente a um dia de trabalho como “contribuição sindical”. Essa “contribuição sindical” sofre desconto na folha de pagamento, depositada na Caixa Econômica Federal, sob responsabilidade do Ministério do Trabalho.

Seu destino é pré-determinado pelo artigo 589 da CLT. Assim, 5% vai para a confederação; 15% parra a federação; 60% fica com o sindicato e 20% é destinado à “conta Especial Emprego e Salário”, do Ministério do Trabalho.

O artigo 592 da CLT define que os sindicatos devam gastar esse dinheiro em: assistência jurídica, médica, dentária, hospitalar e farmacêutica, assistência à maternidade, cooperativas, bibliotecas, creches, auxílio funeral, colônia de férias, prevenção de acidentes do trabalho, educação profissional e bolsas de estudo (TRAGTENBERG, 2011, p. 287-288).

 

O autor conclui colocando que “a 'contribuição sindical' na estrutura atual é o instrumento mais eficiente que dispõe o Estado para manter seu controle burocrático sobre os sindicatos” (TRAGTENBERG, 2011, p. 288), já que a maneira de gastar o dinheiro é controlada por leis estabelecidas pelo governo. Fica claro que o sindicato se mantém “atrelado ao Estado cuja preocupação consiste em controlar a massa operária, falar e negociar às suas costas” (TRAGTENBERG, 1968, p. 74). Isso significa que “os operários não são donos de seu sindicato, ao contrário, são dominados por ele” (GORTER, 1981, p. 29).

Isso é comprovado através da ação sindical, que não objetiva abolir as relações de produção capitalistas, nem mesmo objetiva a autogestão da sociedade pelos próprios trabalhadores, ou seja, os interesses e fins de sua luta são contrários aos interesses e fins da luta dos trabalhadores. A sua legalização junto ao estado lhe impõe limites e regras para agir conforme o interesse do capital. Durante o processo de greve, se coloca sempre à frente das negociações e debates, fazendo manobras, muitas vezes às escondidas. Apresentam propostas como se fossem frutos de decisões coletivas das classes trabalhadoras. Enfim, o sindicato se mostra adepto ao capitalismo quando tem se tornado um trampolim para seus dirigentes integrarem partidos políticos, cujo objetivo passa a ser o poder do estado.

Isso deixa claro que todas as vezes que os trabalhadores propõem uma greve para lutar por seus interesses, encontrará pela frente, primeiramente, a burocracia sindical (à frente das negociações) para colocar dificuldades e impedir seu avanço. Dizendo representar a classe trabalhadora toma para si o processo de luta na greve, e assume de imediato, a posição de negociador. Levanta propostas a serem apresentadas aos patrões ou ao estado, propostas cuidadosamente pensadas para não atingir os interesses burgueses. O objetivo é levar a classe trabalhadora a acreditar que estão sendo beneficiados com as propostas apresentadas. Por isso que na maioria das greves, os patrões ou o estado, fizeram acordos com os grevistas e concordaram com partes das reivindicações, já que atendendo partes destas, exige que o sindicato obrigue os grevistas a voltarem ao trabalho.

Mas, a manutenção e expansão da greve leva o estado a agir. Para pôr fim à greve recorre à lei, na maioria dos casos publicando informações de sua ilegalidade, obrigando os grevistas a voltarem ao trabalho; outra estratégia, cuidadosamente utilizada para não diminuir a parte do lucro que recebem dos capitalistas, é a proposição e efetivação de algumas melhorias, que na maioria das vezes não correspondem ao que é exigido pelos trabalhadores. Diante destas questões a radicalização da greve torna-se uma tendência. É aí que o sindicato, que num primeiro momento dizia estar do lado dos trabalhadores, assume de vez, e de forma descarada, o lado do estado, e assim como este, obriga os trabalhadores a voltarem ao trabalho.

Por isso que a greve representa um instrumento de luta desenvolvido pelos trabalhadores contra a classe que os explora e oprime. É a ferramenta mais poderosa para lutar contra o capitalismo. Ela representa o meio mais eficaz para realizar transformações profundas na sociedade. Contudo, essas transformações só poderão ocorrer se esta estiver inteiramente em suas mãos e avançar para além das lutas de categorias isoladas, e passar para uma greve geral e de ocupação ativa das fábricas e de toda a sociedade.

A principal dificuldade neste processo de avanço da greve está relacionada à organização social estabelecida pelo capital, onde os trabalhadores encontram-se separados em categorias, e cada uma sendo dirigida por um sindicato. Assim, a greve dos metalúrgicos acaba sendo uma greve apenas dos metalúrgicos, com seus sindicatos à frente das negociações e controlados por este. O mesmo acontece com as várias outras categorias de trabalhadores, que ao conseguir a efetivação de parte[2] de suas reivindicações, são obrigados a retornarem ao trabalho. Mas é no desencadeamento e desenvolvimento de uma greve, momento em que a luta se torna aberta, descarada e visível até para os olhos mais distraídos, que inicia o processo de reorganização social. A auto-organização dos trabalhadores que se encontrava em vias de ser gerida começa a brotar por todos os cantos, anunciando o alvorecer de uma nova sociedade. Torna-se perceptível que

 

O trabalhador só cresce quando ele próprio cria seus órgãos representativos, seja “grupo de fábrica” ou “comissão de fábrica”, quando procura articulá-los entre si, em suma, quando ele dirige sua luta sem delegar a “líderes”, mesmo de origem operária ou a carreiristas da classe média, a direção de suas lutas e reivindicações (TRAGTENBERG, 2011, p. 297).

 

É na greve que o trabalhador aprende o que em toda a sua história foi lhe restringido saber, ou seja, que ele pode gerir a sua própria vida; que as organizações que dizem representa-los são a representação dos interesses de um bando de oportunistas e parasitas; aprende que a constituição de uma nova sociedade onde seus interesses sejam realmente efetivados só pode ser fruto de sua própria luta; é na greve que têm acesso a uma educação libertária, onde aprende o que é autonomia, já que é constrangido a criar organizações autônomas das organizações burocráticas para lutar contra os expropriadores de seu trabalho; é quando o seu poder de criação assume sua plenitude, criando estratégias para transformar a sociedade em que vive, e não, criando coisas supérfluas para a manutenção da ordem existente, como acontece no capitalismo onde a riqueza produzida é apropriada pelos exploradores e se torna arma deste contra os trabalhadores; e é pelo desenvolvimento de seu poder de criação, que cria organizações geradas e geridas por eles próprios, através das quais, demonstrou a possibilidade de abolir as relações de produção e distribuição capitalistas e instituição de uma nova sociedade fundada na autogestão social.

A greve se torna um instrumento para os trabalhadores atenderem de fato aos seus interesses, desde que mantenha em suas mãos a direção de sua própria luta. O que quer dizer, manter

 

Inteiramente em suas mãos a direção da sua própria luta (ou, se preferirmos, dirigir eles próprios os seus assuntos)? Deve entender-se que toda a iniciativa e decisão emanam dos próprios trabalhadores. Mesmo existindo um comitê de greve – indispensável quase sempre, pois os trabalhadores não podem estar permanentemente reunidos – tudo será feito pelos grevistas. Permanecem ligados, repartindo entre si as tarefas, tomam as medidas que se impõem e decidem diretamente todas as ações a efetuar. A decisão e a ação, ambas coletivas, formam um todo (PANNEKOEK, 2011, p. 120).

 

Desta forma, os trabalhadores podem efetivar os seus interesses desde que o fim da greve não represente o retorno ao trabalho alienado, a manutenção e reprodução do modo de produção capitalista, mas, que seu fim seja precedido pelo fim do modo de produção capitalista. Isso quer dizer que a greve que chega ao fim e preserva este modo de produção, leva os trabalhadores a retornem à vida da forma que estava antes, ou seja, perpassada pela determinação dos capitalistas e de acordo com seus interesses.

É nesse sentido que historicamente os trabalhadores têm demonstrado que o processo que pode desencadear o surgimento de um processo revolucionário que aponte de fato para a criação de uma nova sociedade deve avançar para além das lutas cotidianas, das greves isoladas, e passar para a greve generalizada, e de ocupação ativa.

 

O movimento grevista pode, uma vez desencadeado, se radicalizar e se tornar ainda mais perigoso para o capital. Trata-se da passagem de uma forma mais radical de greve, a greve de ocupação. Nesta, os trabalhadores não apenas paralisam as atividades, mas tomam conta das fábricas, das unidades de produção, impedindo qualquer forma de abdicação ao movimento grevista e reativação da produção. Os proletários realizam uma permanente mobilização, comunicação, o que permite um avanço da consciência e a constituição de novas relações sociais. Este processo culmina com a greve de ocupação ativa, uma radicalização e aprofundamento da greve de ocupação, que marca já um passo rumo ao questionamento da propriedade privada, das relações de produção capitalista (VIANA, 2008, p. 25).

 

É neste momento que surge a possibilidade de transformação radical do capitalismo e instituição de uma sociedade gerida pelos próprios trabalhadores. Enquanto permanecer a luta cotidiana, as greves isoladas, os trabalhadores continuarão vivendo nesta sociedade fundada na exploração, já que estas podem ser facilmente controladas pelo estado; continuarão descontentes com a vida que levam e restringindo a sua luta por reivindicações.

Na história de sua luta contra a burguesia e o estado o proletariado demonstrou com clareza que seu alvo deve ser os lugares onde se produz os meios essenciais e indispensáveis para a vida de todos, os locais de produção. Por isso, a luta não deve objetivar apenas melhores condições de trabalho e melhores salários, pois isso representa ao mesmo tempo, a manutenção da sociedade de classes. A sua luta deve objetivar a apropriação das fábricas e de toda a sociedade.

É preciso observar ainda que a greve que se limita a tão somente parar a produção, não possibilita a manutenção da vida, pois, não produz o que os indivíduos necessitam para sobreviver. Por isso, a greve deve avançar para a ocupação de todas as fábricas e locais de distribuição da produção.

 

Pela ocupação, os trabalhadores inconscientemente demonstraram que a sua luta entrou numa nova fase. Aqui se afirmam os seus sólidos laços de interesse, sob a forma duma organização no seio da fábrica e ao mesmo tempo essa unidade natural, que não pode dissolver-se em individualidades distintas. Aqui os trabalhadores tomam consciência das suas apertadas ligações com a fábrica. Para eles não é apenas um edifício pertencendo a alguém aonde vêm trabalhar para seu único proveito, sujeitos inteiramente à sua vontade até que os despeça. Para eles, pelo contrário, a fábrica é um aparelho produtivo que fazem andar, um órgão que só se torna parte viva da sociedade através do seu trabalho (PANNEKOEK, 2007, p. 133).

 

Quando estourar este processo revolucionário todas as riquezas existentes devem ser retiradas das mãos da burguesia e colocadas à disposição da coletividade. Assim, “a revolução operária obrigará os ricos a trabalhar, depois de ter-lhes arrancado as riquezas que lhes permitiam uma vida de parasitas” (MAKHAISKI, 1981, p. 165). Num segundo momento, as fábricas devem ser colocadas para funcionar de acordo com o interesse da coletividade, de forma que atenda as necessidades essenciais de todos os seres humanos.

Num terceiro momento, a sociedade será reorganizada segundo esse princípio básico da autogestão, onde todos participem e tenham acesso à produção. Isso não pode ser feito, obviamente, sem organização. Os operários são impotentes sem organização (GORTER, 1981, p. 33). Segundo Anton Pannekoek,

 

A organização é o princípio fundamental da luta da classe trabalhadora por sua emancipação. Dali que, desde o ponto de vista do movimento prático, o problema mais importante seja o das formas desta organização. Estas, contudo, estão determinadas tanto pelas condições sociais como pelos objetivos da luta (PANNEKOEK, in BRICIANER, 1969, p. 287).

 

E “o fim e a missão da classe trabalhadora é abolir o sistema capitalista” (Idem, p. 292), e instituir a sociedade gerida por eles próprios.

A superação da ignorância e do imobilismo que o capitalismo impõe aos trabalhadores promove a criação de organizações para reorganizar a sociedade de acordo com seus interesses. Essas organizações são geradas desde o momento em que a greve estoura, como o comitê de greve, que são presididos por comitês de fábrica, de bairros, etc. A nova sociedade desponta como uma realidade quando estas várias organizações dão origem aos conselhos operários. Este deve ser o fim a ser alcançado com a luta.

A greve representa o início desta busca, o meio da classe trabalhadora assumir o controle de sua luta. Ao surgir em um determinado local deve levá-la para outras instâncias da sociedade e ser generalizada até atingir em cheio o coração que mantém acessa a chama da exploração, os locais de produção. Assim, a classe trabalhadora demonstrará que as greves isoladas são um aviso à burguesia de que a qualquer momento será convertida em uma greve geral. A partir daí, a ocupação de todas as fábricas e empresas, não poderá ser impedida de se realizar. Momento em que delas, farão, enfim, o uso benéfico à toda a humanidade, atendendo às suas necessidades básicas. Momento em que darão início à história da humanidade emancipada.

 

 

Referências

 

BRICIANER, Serge. Anton Pannekoek y Los Consejos Obreros. Buenos Aires: Schapire, 1969.

GORTER, Herman. A Questão Sindical. In: TRAGTENBERG, Maurício. Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.

LUXEMBURGO, Rosa. Rosa Luxemburgo: textos escolhidos Vol. 2. São Paulo: Unesp, 2011a.

______. Rosa Luxemburgo: textos escolhidos Vol. 1. São Paulo: Unesp, 2011b.

MARQUES, Edmilson. A Questão da Organização Proletária em Anton Pannekoek. In: BRAGA, Lisandro e VIANA, Nildo. A Questão da Organização em Anton Pannekoek. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.

MAKHAISKI, Jan Waclav. A Expropriação da Burguesia. In: TRAGTENBERG, Maurício. Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.

MARX, Karl. Entrevista Concedida a R. Landor. In: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2003.

______. Grundisse. São Paulo: Boitempo, 2011.

______. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

PANNEKOEK, Anton. A Revolução dos Trabalhadores. Porto Alegre: Barba Ruiva, 2007.

______. Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Rio de Janeiro: Rizoma, 2011.

TRAGTENBERG, Maurício. Autonomia Operária. São Paulo: Unesp, 2011.

______. Burocracia e Ideologia. São Paulo: Ática, 1974.

______. Reflexões Sobre o Socialismo. São Paulo: Moderna, 1968.

VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. Rio de Janeiro: Achiamé, 2008.

 

 

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[1] Esta é a razão de ser das privatizações. Delegando a outros a gestão de setores da sociedade, o estado evita gastar parte do lucro que recebe dos capitalistas. Por isso seu interesse em privatizar todas as instituições existentes.

[2] As reivindicações têm se tornado um limite imposto pela consciência burguesa, através da qual a burguesia consegue manter o domínio de seus interesses. Este é o modo de luta desejado pela burguesia porque não ultrapassa a ordem existente. Através de reivindicações busca-se propor reformas ou mudanças que atendam ao que é reivindicado, cuja relação de luta deve ser limitada e ocorrer respeitando as regras estabelecidas e não subverter a relação entre dominantes e dominados. Isso dificulta que a consciência avance para além da mera reivindicação, e chegue ao ponto de clamar para si mesmo, o papel de subverter o existente, e ao invés de reivindicação, que perpassa por regras estabelecidas, assumir a concepção de que ele próprio possa tomar para si o controle da sociedade, subvertendo a ordem, e agir por si mesmo pela construção de uma luta gerida por ele próprio. Assim, ao invés de reivindicação, que pauta por indivíduos amorfos, que aguardam a boa vontade dos dirigentes atenderem suas reclamações, deve-se avançar para uma ação conjunta, solidária e coletiva da sociedade em sua totalidade de forma que se estabeleça a sociedade autogestionária.