DAS
GREVES
ISOLADAS À GREVE GERAL E DE OCUPAÇÃO ATIVA
Edmilson
Marques
Publicação original:
Revista Enfrentamento, ano 07, n. 11, 2012 |
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Enfrentamento |
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O
capitalismo
é acompanhado em toda a sua história por um embrião que ele
próprio gerou.
Embrião que tende a, uma ou outra hora, provocar o rebento
contra a vontade de
seu gerador. Este embrião a greve operária. Esta é um fenômeno
complexo, sendo
o resultado de múltiplas determinações, vista
predominantemente como algo
negativo, ruim, a causa de desordens para a vida na sociedade,
por isso sempre
reprimida pelos patrões e pelo estado. Mas, ao analisar o
processo histórico
das greves, observa-se que representa a expressão de luta de
indivíduos
descontentes com alguma questão que incomoda sua vida na
sociedade.
Devido
a essa
dubiedade interpretativa em relação à greve é que buscaremos
discutir a razão
de ser da greve, assim como o porquê esta representa um
embrião, e sendo um
embrião, o que pode ser gerado daí. Enfim, buscaremos analisar
algumas
determinações existentes em torno das greves isoladas e a
necessidade de sua
passagem para a greve geral aliada à greve operária e de
ocupação ativa. Assim,
acreditamos esclarecer a razão de ser destas concepções
apresentadas
anteriormente.
Rosa
Luxemburgo
(2011b, p. 299) coloca que a greve “é o pulso vivo da
revolução e,
ao mesmo tempo, seu motor mais poderoso [...] é o modo de
movimentação da massa
proletária, a forma de expressão da luta proletária na
revolução”. A greve é
fruto da ação de indivíduos descontentes com alguma questão
que dificulta a
vida que levam na sociedade. As paralisações laborais
pré-capitalistas são
frutos deste descontentamento, e no capitalismo, expressa a
sua ampliação e
aprofundamento. Assim, “as diversas formas de paralisações da
atividade laboral
antes do advento da consolidação do capitalismo moderno são
antecedentes
históricos das greves operárias” (VIANA, 2008, p. 24).
A
questão
fundamental e razão de ser da greve, portanto, é a existência
de modos de
produção determinados pela divisão social do trabalho, ou
seja, de sociedades
divididas em classes sociais. E isso se dá porque em uma
sociedade de classes
sempre haverá uma classe que domina, oprime e explora outras
classes; uma
classe que desfruta de uma vida privilegiada (comida farta e
boa, moradia
confortável, etc.), que devido ao interesse de manter seus
privilégios, submetem
outros indivíduos à opressão e exploração, e por isso, os
constrange a lutarem
para transformar as condições deprimentes de sua vida, e uma
das expressões
desta luta é a greve, através da qual abre a possibilidade da
emancipação
histórica da humanidade. Como colocou Marx, “uma das formas
mais comuns de
movimento pela emancipação são as greves” (MARX, 2003, p.
119).
Vejamos
de
forma breve o processo que provoca o desencadeamento de
movimentos pela
emancipação no capitalismo e porque a greve operária se torna
o motor da
transformação social, da emancipação humana. No processo de
geração e
desenvolvimento do capitalismo, a burguesia se apropriou dos
meios de produção
utilizados na produção dos meios essenciais e indispensáveis
para a
sobrevivência da vida humana, e, desta forma, instituiu uma
sociedade onde a
maioria dos indivíduos que a compõe é destituída destes meios
de produção.
Assim, para sobreviverem, foram obrigados a vender sua força
de trabalho em
busca de um salário, através do qual adquirem aquilo que
necessitam para
sobreviver (moradia, comida, agasalhos etc.).
Marx
(1988),
em sua obra O Capital, demonstrou que o salário, no entanto,
não corresponde à
totalidade do trabalho realizado, mas a apenas parte dele. A
outra parte não
paga, o mais-valor, foi apropriada pelo burguês, que utiliza
parte com gastos
pessoais, parte transfere ao estado através de impostos, e
ainda utiliza parte
para reinvestir na própria fábrica, empresa etc. Desta forma,
o trabalhador
recebe um salário que é o suficiente para a manutenção de sua
vida, e quando
gasto, é constrangido a se vender novamente ao capitalista.
Nesta
relação
estabelecida, as riquezas produzidas pelo proletariado acabam
atendendo aos
interesses dos capitalistas, uma vez que “o capital põe a
própria produção de
riqueza como pressuposto de sua reprodução” (MARX, 2011, p.
447). No
capitalismo, no entanto, tudo é transformado em mercadorias.
Assim, a produção
e distribuição alargada de mercadorias promove a expansão
capitalista
(consequentemente a mercantilização e burocratização das
relações sociais). Com
esta expansão os capitalistas criam a necessidade de ter um
auxiliar que
garanta o funcionamento de suas fábricas, empresas etc.,
enfim, da totalidade
das relações de produção e distribuição existente. A questão é
que sozinhos,
Os
capitalistas seriam
incapazes de manter esta ordem desejada por eles. No
processo de
desenvolvimento do capitalismo, surge outra classe que vem
auxiliar a burguesia
no domínio e exploração do proletariado, tratando-se da
burocracia (MARQUES,
2011, p. 35).
Por
isso a
burguesia se apropriou do estado e fez deste seu auxiliar,
tornando-o o
responsável pelo controle de toda a sociedade. Assim, “sob o
capitalismo, a
burocracia é assimilada pela burguesia” (TRAGTENBERG, 1974, p.
190). A
burocracia estatal e suas diversas frações, reforça o controle
já exercido pela
burguesia sobre os trabalhadores, controle este que passa a
ser exercido em
todos os cantos da sociedade. O controle e repressão tornam-se
os meios
fundamentais que a burocracia utiliza para reproduzir o
capitalismo.
O
que ocorre é
que o controle realizado pelo estado gera a repressão. Este
passa a reprimir
brutalmente aqueles que subvertem a ordem existente. Cria-se,
desta forma, uma
sociedade em que “a humanidade encontra-se diante da
alternativa: decomposição
e declínio da anarquia capitalista ou renascimento pela
revolução social”
(LUXEMBURGO, 2011a, p. 257). Por isso que estando descontentes
com a vida
miserável que levam, com as diversas situações constrangedoras
que a burguesia
e a burocracia levam-nos a passarem (baixos salários, péssimas
condições de
trabalho, de moradia etc.), com o controle, opressão e
exploração que sofrem,
as classes oprimidas e exploradas reagem, e buscam em
conjunto, a solução para
estes problemas. É diante desta situação que os trabalhadores
encontraram uma
ferramenta poderosa para lutar contra a burguesia, a greve.
A
greve se
torna de fato uma ameaça à burguesia no momento em que atinge
a razão de ser de
sua existência, ou seja, no momento em que interfere na
produção de mais-valor.
E neste caso, a greve operária assume o papel fundamental na
transformação
social, já que na classe operária está a razão de ser do
capitalismo, ou seja,
é a quem cabe o papel fundamental de produção de mais-valor.
Isto quer dizer
que as diversas greves que eclodem no capitalismo só podem
ameaçar a sociedade
burguesa, se atingir e avançar para os locais de produção e
aliarem-se a uma
greve operária. Uma greve que não interfere no processo de
produção e
distribuição de mercadorias não representa algo tão
preocupante para o
capitalismo, já que a produção e apropriação de maisvalor
continua ocorrendo.
A greve,
enquanto mera
paralisação das atividades, expressa uma luta contra o
capital, já que
compromete a extração de mais-valor. A extração do
mais-valor é interrompida e
por isso esta é a forma mais eficiente de pressão operária
sobre o capital
(VIANA, 2008, p. 25).
Na
greve
operária está o potencial para alterar as relações de produção
e distribuição
estabelecidas, a possibilidade real de abolir a relação de
exploração que os
capitalistas exercem sobre o proletariado. Assim, as greves
que não atingem os
locais de produção e distribuição de mercadorias, não
representam uma ameaça
direta ao capitalismo, principalmente se esta ficar
restringida a uma
determinada categoria. Porém, se esta greve atinge os locais
de produção e
distribuição de mercadorias, com o fechamento e apropriação de
fábricas e
comércios, ou impedindo o funcionamento da ordem estabelecida,
por exemplo, impedindo
que os meios de transportes continuem abastecendo os
comércios, ou levando os
trabalhadores às fábricas e comércios, aí sim gera uma ameaça
ao capitalismo. É
o momento em que pode eclodir o que Anton Pannekoek denominou
de greve
selvagem.
A
radicalização
da greve, que rompe com o dirigismo estabelecido pelas
organizações
burocráticas, ou que aponta para uma greve geral, atingindo
outras categorias
de trabalhadores, fortalece o processo de autonomização da
luta dos
trabalhadores. É neste momento que a classe trabalhadora deve
generalizar a
greve, buscando fortalecer sua luta ampliando-a para atingir
outras categorias
de trabalhadores. Isso dificulta o domínio do estado, já que a
greve não fica
restringida a uma determinada categoria isolada das demais, e
uma vez que a
classe trabalhadora marcha massivamente sobre o estado,
torna-o enfraquecido
diante de sua força.
Bem,
mesmo que
as greves empreendidas por categorias isoladas de
trabalhadores não produtivos
não representem uma ameaça direta ao capitalismo, esta
contribui para a luta
das classes oprimidas, já que possibilita o avanço da
consciência e sua
passagem para uma consciência revolucionária, momento em que
pode iniciar o
processo de autoorganização de sua luta. Por isso a greve
representa um embrião
da nova sociedade, isto é, representa o início de
desenvolvimento de
organizações autônomas em relação à burocracia, a partir da
qual se visualiza o
alvorecer de uma nova sociedade, onde a organização social
passa a ser
realizada pelos próprios trabalhadores.
Quando
neste
processo a ordem existente não entra em declínio, no caso de
greves de
determinada categoria isolada, os capitalistas ou a burocracia
estatal faz a
tentativa do acordo, com propostas para atender uma parte
mínima dos interesses
dos trabalhadores. Na maioria dos casos, a condição imposta
para a efetivação
do acordo, é o retorno imediato ao trabalho.
Ocorre,
porém,
que na história do capitalismo, estes acordos e propostas têm
sido uma das
estratégias utilizadas pelos capitalistas e pelo estado para a
manutenção da
ordem existente. Eles têm consciência que beneficiar a classe
trabalhadora com
maiores salários, melhores condições de trabalho, saúde,
transporte etc., lhe
custará muito dinheiro e diminuirá o[1]
seu lucro. Por isso, criam estratégias para que as
reivindicações apresentadas
por trabalhadores em um momento de greve sejam atendidas
parcialmente, ou
melhor, o mais minimamente possível.
No
segundo
momento, se a classe trabalhadora abala a ordem existente - no
caso de uma
greve operária de ocupação e de luta aberta e radicalizada - o
estado utiliza
de todas as suas forças para retomar a organização social
desejada pela
burguesia. Assim, uma estratégia que tem surtido efeito na
luta da burguesia
pelo amortecimento da luta de classes, para frear o avanço da
luta dos
trabalhadores, foi a utilização de organizações burocráticas
na intermediação
das negociações em momentos de greve. É isso que fazem os
sindicatos. O
capitalismo o converteu em instrumento de sua própria luta.
Apesar de declararem
que são representantes dos interesses dos trabalhadores, o seu
papel real nada
mais é do que o de intermediar as negociações entre a classe
trabalhadora e a
burguesia, ou entre a classe trabalhadora e o estado. Desta
forma, a luta não
se dá de forma direta, o que poderia acarretar um avanço
rápido e generalizado
da luta dos trabalhadores.
Essa
possibilidade
da generalização da luta se dá porque na luta direta os
trabalhadores percebem que não há negociação, nem mesmo acordo
com aqueles que
lhes controlam e exploram, já que estes últimos propõem
negociações onde
prevalecem os seus interesses, impondo-os sobre os
trabalhadores, e
obrigando-os a se submeterem ao papel mais pesado e vil desta
sociedade, ao
trabalho alienado. Mas “a consciência se desenvolve neste
processo de luta
(TRAGTENBERG, 2011, p. 25). Diante desta situação a classe
trabalhadora chega à
conclusão que o retorno ao trabalho representa o retorno da
razão de ser de seu
descontentamento cotidiano; o retorno de uma vida pautada
pelos interesses
daqueles que lhes exploram e oprimem.
Na
luta direta
não há intermediários, oportunistas, que se dizem
representantes da
coletividade. A burocracia dirigente se torna desprezível, por
isso a razão de
sua luta encarniçada para frear o avanço da luta dos
trabalhadores, já que sua
existência depende da existência recíproca de uma classe
exploradora, e das
classes exploradas e oprimidas continuando a reivindicar
somente melhores
condições de vida.
É
pelo
interesse do dirigismo que os sindicatos têm ficado do lado do
capitalismo
durante toda a sua história. O seu papel fundamental, como já
dizia Marx, é
negociar com os patrões, o preço da força de trabalho, e são
controlados pelo
estado. Maurício Tragtenberg (2011, p. 285-286) demonstra as
estratégias criadas
pelo estado para este controle. Vejamos:
A
Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) é que estabelece a estrutura, funcionamento e
objetivos dos
sindicatos. Conforme ela, os sindicatos se organizam por
municípios ou regiões
(base territorial), congregando uma mesma categoria
profissional ou econômica.
Inicialmente,
forma-se uma
associação representante dos trabalhadores (CLT, artigo 511)
depois ela pede
seu reconhecimento no Ministério do Trabalho como sindicato
(artigo 512 da
CLT). Segundo o artigo 516, só pode haver um sindicato como
representante da
categoria e será reconhecido como tal o que tiver maior
número de associados,
mais serviços sociais mantidos a um patrimônio de maior
valor. A associação
preferida pelo Ministério receberá uma carta-reconhecimento
como sindicato
estabelecendo sua base territorial.
O maior
dever do sindicato é
colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da
solidariedade social e
manter serviços de assistência judiciária aos associados –
assim, o Estado
controla totalmente os sindicatos desde a fundação.
Ainda
segundo
o mesmo autor, outra estratégia do estado para controlar os
sindicatos é a
contribuição sindical. Vejamos em suas palavras o que ocorre
no Brasil:
Nos
termos do artigo 579 da
CLT, todos os trabalhadores brasileiros, sejam ou não
sindicalizados, estão
obrigados a pagar o correspondente a um dia de trabalho como
“contribuição
sindical”. Essa “contribuição sindical” sofre desconto na
folha de pagamento,
depositada na Caixa Econômica Federal, sob responsabilidade
do Ministério do
Trabalho.
Seu
destino é
pré-determinado pelo artigo 589 da CLT. Assim, 5% vai para a
confederação; 15%
parra a federação; 60% fica com o sindicato e 20% é
destinado à “conta Especial
Emprego e Salário”, do Ministério do Trabalho.
O artigo
592 da CLT define
que os sindicatos devam gastar esse dinheiro em: assistência
jurídica, médica,
dentária, hospitalar e farmacêutica, assistência à
maternidade, cooperativas,
bibliotecas, creches, auxílio funeral, colônia de férias,
prevenção de
acidentes do trabalho, educação profissional e bolsas de
estudo (TRAGTENBERG,
2011, p. 287-288).
O
autor
conclui colocando que “a 'contribuição sindical' na estrutura
atual é o
instrumento mais eficiente que dispõe o Estado para manter seu
controle burocrático
sobre os sindicatos” (TRAGTENBERG, 2011, p. 288), já que a
maneira de gastar o
dinheiro é controlada por leis estabelecidas pelo governo.
Fica claro que o
sindicato se mantém “atrelado ao Estado cuja preocupação
consiste em controlar
a massa operária, falar e negociar às suas costas”
(TRAGTENBERG, 1968, p. 74).
Isso significa que “os operários não são donos de seu
sindicato, ao contrário,
são dominados por ele” (GORTER, 1981, p. 29).
Isso
é
comprovado através da ação sindical, que não objetiva abolir
as relações de
produção capitalistas, nem mesmo objetiva a autogestão da
sociedade pelos
próprios trabalhadores, ou seja, os interesses e fins de sua
luta são
contrários aos interesses e fins da luta dos trabalhadores. A
sua legalização
junto ao estado lhe impõe limites e regras para agir conforme
o interesse do
capital. Durante o processo de greve, se coloca sempre à
frente das negociações
e debates, fazendo manobras, muitas vezes às escondidas.
Apresentam propostas
como se fossem frutos de decisões coletivas das classes
trabalhadoras. Enfim, o
sindicato se mostra adepto ao capitalismo quando tem se
tornado um trampolim
para seus dirigentes integrarem partidos políticos, cujo
objetivo passa a ser o
poder do estado.
Isso
deixa
claro que todas as vezes que os trabalhadores propõem uma
greve para lutar por
seus interesses, encontrará pela frente, primeiramente, a
burocracia sindical
(à frente das negociações) para colocar dificuldades e impedir
seu avanço.
Dizendo representar a classe trabalhadora toma para si o
processo de luta na
greve, e assume de imediato, a posição de negociador. Levanta
propostas a serem
apresentadas aos patrões ou ao estado, propostas
cuidadosamente pensadas para
não atingir os interesses burgueses. O objetivo é levar a
classe trabalhadora a
acreditar que estão sendo beneficiados com as propostas
apresentadas. Por isso
que na maioria das greves, os patrões ou o estado, fizeram
acordos com os
grevistas e concordaram com partes das reivindicações, já que
atendendo partes
destas, exige que o sindicato obrigue os grevistas a voltarem
ao trabalho.
Mas,
a
manutenção e expansão da greve leva o estado a agir. Para pôr
fim à greve
recorre à lei, na maioria dos casos publicando informações de
sua ilegalidade,
obrigando os grevistas a voltarem ao trabalho; outra
estratégia, cuidadosamente
utilizada para não diminuir a parte do lucro que recebem dos
capitalistas, é a
proposição e efetivação de algumas melhorias, que na maioria
das vezes não
correspondem ao que é exigido pelos trabalhadores. Diante
destas questões a
radicalização da greve torna-se uma tendência. É aí que o
sindicato, que num
primeiro momento dizia estar do lado dos trabalhadores, assume
de vez, e de
forma descarada, o lado do estado, e assim como este, obriga
os trabalhadores a
voltarem ao trabalho.
Por
isso que a
greve representa um instrumento de luta desenvolvido pelos
trabalhadores contra
a classe que os explora e oprime. É a ferramenta mais poderosa
para lutar
contra o capitalismo. Ela representa o meio mais eficaz para
realizar
transformações profundas na sociedade. Contudo, essas
transformações só poderão
ocorrer se esta estiver inteiramente em suas mãos e avançar
para além das lutas
de categorias isoladas, e passar para uma greve geral e de
ocupação ativa das
fábricas e de toda a sociedade.
A
principal
dificuldade neste processo de avanço da greve está relacionada
à organização
social estabelecida pelo capital, onde os trabalhadores
encontram-se separados
em categorias, e cada uma sendo dirigida por um sindicato.
Assim, a greve dos
metalúrgicos acaba sendo uma greve apenas dos metalúrgicos,
com seus sindicatos
à frente das negociações e controlados por este. O mesmo
acontece com as várias
outras categorias de trabalhadores, que ao conseguir a
efetivação de parte[2]
de
suas reivindicações, são obrigados a retornarem ao trabalho.
Mas é no
desencadeamento e desenvolvimento de uma greve, momento em que
a luta se torna
aberta, descarada e visível até para os olhos mais distraídos,
que inicia o
processo de reorganização social. A auto-organização dos
trabalhadores que se
encontrava em vias de ser gerida começa a brotar por todos os
cantos,
anunciando o alvorecer de uma nova sociedade. Torna-se
perceptível que
O
trabalhador só cresce
quando ele próprio cria seus órgãos representativos, seja
“grupo de fábrica” ou
“comissão de fábrica”, quando procura articulá-los entre si,
em suma, quando
ele dirige sua luta sem delegar a “líderes”, mesmo de origem
operária ou a
carreiristas da classe média, a direção de suas lutas e
reivindicações (TRAGTENBERG,
2011, p. 297).
É
na greve que
o trabalhador aprende o que em toda a sua história foi lhe
restringido saber,
ou seja, que ele pode gerir a sua própria vida; que as
organizações que dizem
representa-los são a representação dos interesses de um bando
de oportunistas e
parasitas; aprende que a constituição de uma nova sociedade
onde seus
interesses sejam realmente efetivados só pode ser fruto de sua
própria luta; é
na greve que têm acesso a uma educação libertária, onde
aprende o que é
autonomia, já que é constrangido a criar organizações
autônomas das
organizações burocráticas para lutar contra os expropriadores
de seu trabalho;
é quando o seu poder de criação assume sua plenitude, criando
estratégias para
transformar a sociedade em que vive, e não, criando coisas
supérfluas para a
manutenção da ordem existente, como acontece no capitalismo
onde a riqueza
produzida é apropriada pelos exploradores e se torna arma
deste contra os
trabalhadores; e é pelo desenvolvimento de seu poder de
criação, que cria organizações
geradas e geridas por eles próprios, através das quais,
demonstrou a
possibilidade de abolir as relações de produção e distribuição
capitalistas e
instituição de uma nova sociedade fundada na autogestão
social.
A
greve se
torna um instrumento para os trabalhadores atenderem de fato
aos seus
interesses, desde que mantenha em suas mãos a direção de sua
própria luta. O
que quer dizer, manter
Inteiramente
em suas mãos a
direção da sua própria luta (ou, se preferirmos, dirigir
eles próprios os seus
assuntos)? Deve entender-se que toda a iniciativa e decisão
emanam dos próprios
trabalhadores. Mesmo existindo um comitê de greve –
indispensável quase sempre,
pois os trabalhadores não podem estar permanentemente
reunidos – tudo será
feito pelos grevistas. Permanecem ligados, repartindo entre
si as tarefas,
tomam as medidas que se impõem e decidem diretamente todas
as ações a efetuar.
A decisão e a ação, ambas coletivas, formam um todo
(PANNEKOEK, 2011, p. 120).
Desta
forma,
os trabalhadores podem efetivar os seus interesses desde que o
fim da greve não
represente o retorno ao trabalho alienado, a manutenção e
reprodução do modo de
produção capitalista, mas, que seu fim seja precedido pelo fim
do modo de
produção capitalista. Isso quer dizer que a greve que chega ao
fim e preserva
este modo de produção, leva os trabalhadores a retornem à vida
da forma que
estava antes, ou seja, perpassada pela determinação dos
capitalistas e de
acordo com seus interesses.
É
nesse
sentido que historicamente os trabalhadores têm demonstrado
que o processo que
pode desencadear o surgimento de um processo revolucionário
que aponte de fato
para a criação de uma nova sociedade deve avançar para além
das lutas
cotidianas, das greves isoladas, e passar para a greve
generalizada, e de
ocupação ativa.
O
movimento grevista pode,
uma vez desencadeado, se radicalizar e se tornar ainda mais
perigoso para o
capital. Trata-se da passagem de uma forma mais radical de
greve, a greve de
ocupação. Nesta, os trabalhadores não apenas paralisam as
atividades, mas tomam
conta das fábricas, das unidades de produção, impedindo
qualquer forma de
abdicação ao movimento grevista e reativação da produção. Os
proletários
realizam uma permanente mobilização, comunicação, o que
permite um avanço da consciência
e a constituição de novas relações sociais. Este processo
culmina com a greve
de ocupação ativa, uma radicalização e aprofundamento da
greve de ocupação, que
marca já um passo rumo ao questionamento da propriedade
privada, das relações
de produção capitalista (VIANA, 2008, p. 25).
É
neste
momento que surge a possibilidade de transformação radical do
capitalismo e
instituição de uma sociedade gerida pelos próprios
trabalhadores. Enquanto
permanecer a luta cotidiana, as greves isoladas, os
trabalhadores continuarão
vivendo nesta sociedade fundada na exploração, já que estas
podem ser
facilmente controladas pelo estado; continuarão descontentes
com a vida que
levam e restringindo a sua luta por reivindicações.
Na
história de
sua luta contra a burguesia e o estado o proletariado
demonstrou com clareza
que seu alvo deve ser os lugares onde se produz os meios
essenciais e
indispensáveis para a vida de todos, os locais de produção.
Por isso, a luta
não deve objetivar apenas melhores condições de trabalho e
melhores salários,
pois isso representa ao mesmo tempo, a manutenção da sociedade
de classes. A
sua luta deve objetivar a apropriação das fábricas e de toda a
sociedade.
É
preciso
observar ainda que a greve que se limita a tão somente parar a
produção, não
possibilita a manutenção da vida, pois, não produz o que os
indivíduos
necessitam para sobreviver. Por isso, a greve deve avançar
para a ocupação de
todas as fábricas e locais de distribuição da produção.
Pela
ocupação, os
trabalhadores inconscientemente demonstraram que a sua luta
entrou numa nova
fase. Aqui se afirmam os seus sólidos laços de interesse,
sob a forma duma
organização no seio da fábrica e ao mesmo tempo essa unidade
natural, que não
pode dissolver-se em individualidades distintas. Aqui os
trabalhadores tomam
consciência das suas apertadas ligações com a fábrica. Para
eles não é apenas
um edifício pertencendo a alguém aonde vêm trabalhar para
seu único proveito,
sujeitos inteiramente à sua vontade até que os despeça. Para
eles, pelo contrário,
a fábrica é um aparelho produtivo que fazem andar, um órgão
que só se torna
parte viva da sociedade através do seu trabalho (PANNEKOEK,
2007, p. 133).
Quando
estourar
este processo revolucionário todas as riquezas existentes
devem ser
retiradas das mãos da burguesia e colocadas à disposição da
coletividade.
Assim, “a revolução operária obrigará os ricos a trabalhar,
depois de ter-lhes
arrancado as riquezas que lhes permitiam uma vida de
parasitas” (MAKHAISKI,
1981, p. 165). Num segundo momento, as fábricas devem ser
colocadas para
funcionar de acordo com o interesse da coletividade, de forma
que atenda as
necessidades essenciais de todos os seres humanos.
Num
terceiro
momento, a sociedade será reorganizada segundo esse princípio
básico da
autogestão, onde todos participem e tenham acesso à produção.
Isso não pode ser
feito, obviamente, sem organização. Os operários são
impotentes sem organização
(GORTER, 1981, p. 33). Segundo Anton Pannekoek,
A
organização é o princípio
fundamental da luta da classe trabalhadora por sua
emancipação. Dali que, desde
o ponto de vista do movimento prático, o problema mais
importante seja o das
formas desta organização. Estas, contudo, estão determinadas
tanto pelas
condições sociais como pelos objetivos da luta (PANNEKOEK,
in BRICIANER, 1969,
p. 287).
E
“o fim e a
missão da classe trabalhadora é abolir o sistema capitalista”
(Idem, p. 292), e
instituir a sociedade gerida por eles próprios.
A
superação da
ignorância e do imobilismo que o capitalismo impõe aos
trabalhadores promove a
criação de organizações para reorganizar a sociedade de acordo
com seus
interesses. Essas organizações são geradas desde o momento em
que a greve
estoura, como o comitê de greve, que são presididos por
comitês de fábrica, de
bairros, etc. A nova sociedade desponta como uma realidade
quando estas várias
organizações dão origem aos conselhos operários. Este deve ser
o fim a ser
alcançado com a luta.
A
greve
representa o início desta busca, o meio da classe trabalhadora
assumir o
controle de sua luta. Ao surgir em um determinado local deve
levá-la para
outras instâncias da sociedade e ser generalizada até atingir
em cheio o
coração que mantém acessa a chama da exploração, os locais de
produção. Assim,
a classe trabalhadora demonstrará que as greves isoladas são
um aviso à
burguesia de que a qualquer momento será convertida em uma
greve geral. A
partir daí, a ocupação de todas as fábricas e empresas, não
poderá ser impedida
de se realizar. Momento em que delas, farão, enfim, o uso
benéfico à toda a
humanidade, atendendo às suas necessidades básicas. Momento em
que darão início
à história da humanidade emancipada.
Referências
BRICIANER,
Serge.
Anton Pannekoek y Los
Consejos
Obreros. Buenos Aires: Schapire, 1969.
GORTER,
Herman.
A Questão Sindical. In: TRAGTENBERG, Maurício. Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.
LUXEMBURGO,
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Rosa Luxemburgo: textos
escolhidos
Vol. 2. São Paulo: Unesp, 2011a.
______.
Rosa Luxemburgo: textos
escolhidos Vol. 1.
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[1]
Esta é a razão de ser das privatizações. Delegando a outros
a gestão de setores
da sociedade, o estado evita gastar parte do lucro que
recebe dos capitalistas.
Por isso seu interesse em privatizar todas as instituições
existentes.
[2]
As
reivindicações têm se tornado um limite imposto pela
consciência burguesa,
através da qual a burguesia consegue manter o domínio de
seus interesses. Este
é o modo de luta desejado pela burguesia porque não
ultrapassa a ordem
existente. Através de reivindicações busca-se propor
reformas ou mudanças que
atendam ao que é reivindicado, cuja relação de luta deve ser
limitada e ocorrer
respeitando as regras estabelecidas e não subverter a
relação entre dominantes
e dominados. Isso dificulta que a consciência avance para
além da mera
reivindicação, e chegue ao ponto de clamar para si mesmo, o
papel de subverter
o existente, e ao invés de reivindicação, que perpassa por
regras
estabelecidas, assumir a concepção de que ele próprio possa
tomar para si o
controle da sociedade, subvertendo a ordem, e agir por si
mesmo pela construção
de uma luta gerida por ele próprio. Assim, ao invés de
reivindicação, que pauta
por indivíduos amorfos, que aguardam a boa vontade dos
dirigentes atenderem
suas reclamações, deve-se avançar para uma ação conjunta,
solidária e coletiva
da sociedade em sua totalidade de forma que se estabeleça a
sociedade
autogestionária.