A CONCEPÇÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA

 

            Nildo Viana

 

Publicação original: capítulo de A Consciência da História. Goiânia: Edições Combate, 1997.

Fonte da versão base: VIANA, Nildo. A Consciência da História. Goiânia: Achiamé, 2007.

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A consciência teórica da história da humanidade ou a concepção materialista da história da humanidade analisa a sociedade como uma totalidade complexa que possui como determinação fundamental o modo de produção. É isto que distingue a concepção materialista da história de todas as concepções metafísicas. Para compreender esta teoria da história é necessário compreender os conceitos fundamentais que ela articula num universo conceitual. O conceito fundamental da teoria marxista da história é o de modo de produção. Daí a pergunta: o que é um modo de produção?

É lugar-comum dizer que o modo de produção tem como elementos constitutivos as forças produtivas e as relações de produção, ou então que o modo de produção é a expressão da relação dialética entre forças produtivas e relações de produção. As forças produtivas são constituídas pela força de trabalho e meios de produção (objetos de trabalho e meios de trabalho). As relações de produção são constituídas pelas relações de trabalho e pelas relações de distribuição e possuem como expressão jurídica as relações de propriedade.

Esta definição contém elementos verdadeiros, mas não enfatiza o essencial. É certo que os elementos constitutivos de um modo de produção são as forças produtivas e as relações de produção, mas a relação entre estes dois elementos é apresentada de forma mecanicista, não-concreta. Afirmar que si trata de uma relação “dialética” sem demonstrar o seu caráter concreto não resolve a questão. É preciso, pois, analisar a relação entre forças produtivas e relações de produção e demonstrar o seu caráter concreto.

As forças produtivas são compostas pela força de trabalho, meios de produção e meios de distribuição. Essas forças produtivas não se desenvolvem por conta própria. Portanto, falar em “desenvolvimento das forças produtivas” só tem sentido inserindo-o num determinado contexto que é o das relações de produção. A força de trabalho é sempre uma determinada força de trabalho (escrava, assalariada, etc.). Os meios de produção são sempre determinados meios de produção (terras, fábricas, etc.). Da mesma forma, os meios de distribuição são sempre determinados meios de distribuição (moeda, meios de transporte, etc.). Essas forças produtivas não possuem vida própria, pois terras, fábricas, meios de transporte, etc. não podem desenvolver-se por si mesmas. O único elemento das forças produtivas que poderíamos dizer que se desenvolve por si mesmo é a força de trabalho, mas este conceito não é equivalente ao de classe trabalhadora e sim do conjunto das capacidades físicas e mentais que um indivíduo possui para realizar a produção.

As forças produtivas se desenvolvem, sem dúvida. Porém, este desenvolvimento depende das relações de produção, pois são estas que lhes dá vida e movimento. As relações de produção são as relações que os indivíduos reais executam no trabalho e na distribuição dos bens produzidos. Nas sociedades pré-classistas, estas relações de fundamentam sob uma divisão rudimentar do trabalho que se caracteriza pela divisão sexual e etária do trabalho e, por conseguinte, não expressam uma relação de classe. Nas sociedades classistas, devido ao aprofundamento da divisão social do trabalho, as relações de produção são, imediatamente, relações de classes.

As relações de produção são, neste caso, relações de trabalho e de distribuição que são relações entre classes sociais. As relações de trabalho ocorrem nas unidades de produção e as relações de distribuição ocorrem no interior de uma sociedade. A força de trabalho e os meios de produção se encontram nas unidades de produção e é aí, portanto, que se realizam as relações de trabalho. A classe produtora produz os meios de produção e os meios de consumo nestas unidades de produção através da utilização dos meios de produção já existentes. Os meios de distribuição são utilizados ao nível global da sociedade e isto é feito de acordo com as relações de distribuição comandadas pela classe apropriadora.

Se as forças produtivas estão incluídas nas relações de produção, então qual é o sentido da afirmação sobre a contradição entre elas? Na verdade, a contradição ocorre no modo de produção e, a partir deste ponto de partida, Marx (1983) elaborou a idéia de contradição entre as duas partes constitutivas deste: forças produtivas e relações de produção. Esta contradição também pode ser expressa como a contradição entre “trabalho morto” e “trabalho vivo”. O trabalho morto significa o trabalho passado acumulado em meios de produção e distribuição, bem como no desenvolvimento das capacidades físicas e mentais dos indivíduos que formam a classe produtora. O trabalho vivo significa o trabalho produtivo em ato, ou seja, o trabalho que materializa o movimento do “trabalho morto” e realiza efetivamente a produção. Ora, quem detém as forças produtivas é a classe apropriadora e quem executa o “trabalho vivo”, ou realiza  a produção nas relações de produção, é a classe produtora e, por conseguinte, esta contradição é uma contradição de classe.

Entretanto, esta concepção dá margem a inúmeras interpretações equivocadas e geralmente tem levado ao “determinismo econômico” e/ou “tecnológico”. Mas ao notarmos que as forças produtivas não possuem nenhuma autonomia, isto perde todo o seu valor. Acontece que se torna necessário superar todos os possíveis “mal entendidos” e para isto se efetivar consideramos que é preciso representar a luta de classes não como um conflito entre “forças produtivas” e “relações de produção” e sim no interior das próprias relações de produção, que são relações de classe.

Essas relações de classe se manifestam, inicialmente, nas relações de trabalho, que é onde ocorre a exploração e a produção material necessária à reprodução da sociedade. Estas são as relações que se dão entre os proprietários dos meios de produção e os produtores, que são os proprietários da força de trabalho. É uma relação de classe que expressa a exploração e alienação da classe produtora pela classe exploradora e a resistência e luta da primeira contra a segunda. Esta relação de classe também se manifesta, num segundo momento, nas relações de distribuição, que é onde se realiza a exploração através da apropriação dos bens produzidos feita pela classe dominante. A exploração se dá na unidade de produção (relações de trabalho), mas a sua realização ocorre na distribuição (relações de distribuição). Por conseguinte, são nas relações de produção que ocorre a luta entre a classe produtora e a classe apropriadora e esta se reproduz em todas as esferas da vida social.

O desenvolvimento das forças produtivas é condicionado, em primeiro lugar, pelas relações de trabalho (formas de extração de mais-trabalho) e, em segundo lugar, pelas relações de distribuição. Entretanto, essas relações de produção se desenvolvem no marco de determinadas forças produtivas, ou seja, as relações de produção que surgem no interior de outras relações de produção e as substituem possuem como terreno no qual irá se desenvolver as forças produtivas existentes e por isso devem ter um certo grau de compatibilidade com estas. A partir do momento em que essas relações de produção se consolidam, elas submetem estas forças produtivas à sua dinâmica própria.

As relações de produção são, portanto, relações de classes entre a classe produtora e a classe apropriadora. Essas são as duas classes sociais fundamentais e são as forças dinâmicas desse modo de produção. As lutas entre essas duas classes sociais expressam a determinação/contradição fundamental de um modo de produção, e quando este é o modo de produção dominante, manifesta a dinâmica da historicidade das sociedades de classes.

Desta forma, o desenvolvimento das forças produtivas não é antagônico às relações de produção. Por exemplo, com o surgimento e expansão das relações de produção há uma adaptação das forças produtivas pré-capitalista e o surgimento e expansão de forças produtivas capitalistas. As relações de produção capitalistas não impedem o desenvolvimento das forças produtivas, mas tão-somente o livre desenvolvimento das forças produtivas, o que significa um desenvolvimento num sentido não-capitalista. Este desenvolvimento, entretanto, só poderia ser impulsionado por outra classe social. O desenvolvimento das forças produtivas só se torna contraditório com as relações de produção quando há uma alteração nestas últimas, ou seja, quando, por exemplo, as relações de produção capitalistas se transformam em relações de produção comunistas e estas têm que se defrontar com as forças produtivas capitalistas herdadas do passado. Esta contradição é resolvida através da restauração das relações de produção capitalistas ou através da destruição de parte das forças produtivas capitalistas e da adaptação da outra parte às novas relações de produção e, ainda, do desenvolvimento de novas forças produtivas.

A partir da análise do modo de produção pode-se compreender a teoria marxista da sociedade e da história. Assim, se compreende que a história das sociedades tem sido até hoje a história das lutas de classes e que todos os demais aspectos da sociedade são derivados daí. Com o desenvolvimento da divisão social do trabalho e, conseqüentemente, com o surgimento das classes sociais (e da propriedade privada, expressão jurídica das relações de produção fundamentada na luta de classes) surge, também, a necessidade de regularizar essas relações de produção entre classes sociais. O surgimento das classes sociais provoca, inevitavelmente, a luta de classes e a classe exploradora precisa criar um mecanismo para controlar a classe explorada. Este mecanismo é o estado. O modo de produção, que nas sociedades classistas é um modo de relação e luta entre as classes sociais, cria um conjunto de formas de regularização das relações sociais. O estado é o principal componente destas formas de regularização, mas não é o único. Outras formas de regularização são as instituições, as ideologias, o direito, a sociabilidade, etc. Podemos, assim, observar que existem dois tipos de formas de regularização: um tipo é expresso nas formas estatais e o outro tipo é expresso nas formas privadas. As formas estatais de regularização se expressam no aparelho de estado e em suas instituições e as formas privadas de regularização se expressam nas iniciativas privadas e em suas instituições.

As formas estatais e privadas de regularização surgem para tornar “regular” ou “regulamento” as relações de produção e o conjunto das relações sociais existentes e por isso o seu objetivo é realizar a reprodução das relações de produção e das condições para sua reprodução. O estado é o principal instrumento da classe dominante para reproduzir as relações de produção. Nele, predomina de forma absoluta os interesses da classe dominante. As formas privadas de regularização, como são produtos das ações de indivíduos, grupos e classes, podem expressar os interesses das diversas classes sociais existentes. Entretanto, cabe à classe dominante, por possuir o poder econômico, predominar quantitativa e qualitativamente entre as formas privadas enquanto que as classes exploradas se manifestam de forma inferior, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo, e de modo contraditório. Além disso, existe uma relação entre as formas estatais e privadas de regularização das relações sociais. As formas estatais buscam controlar as formas privadas para fazê-las servir aos interesses da classe dominante.

Com o surgimento do estado e das demais formas de regularização da vida social, aprofunda-se e expande-se a divisão social do trabalho. Isto provoca a constituição de novas classes sociais. Com o desenvolvimento destas formas de regularização ocorre a produção dos meios materiais sob os quais elas se manifestam, tais como: os meios de administração, os meios de repressão, os meios de produção cultural, os meios de comunicação, etc. Estes meios podem ser tanto privados quanto estatais. Estes meios materiais necessitam, para sua existência, de um conjunto de trabalhadores improdutivos, que são diferentes dependendo do modo de produção e das formas de regularização derivadas dele. Estes trabalhadores improdutivos são o conjunto dos funcionários das formas de regularização e podemos citar como exemplo os funcionários das formas capitalistas de regularização: burocratas, militares, policiais, artistas, etc. Entretanto, na direção de todas as instituições privadas e estatais encontra-se a burocracia, pois é isto que caracteriza esta classe social.

Outro tipo de trabalhadores improdutivos são os chamados “empregados domésticos”, que têm como função social executar os serviços necessários para que os membros da classe dominante possam usufruir de “suas” riquezas e controlar as relações de distribuição ou então aos membros das suas classes auxiliares, permitindo, assim, que eles executam suas funções e usufruir dos seus privilégios. Além destes, existem outros trabalhadores improdutivos que exercem funções subalternas no estado ou nos demais meios materiais das formas de regularização das relações sociais.

Por conseguinte, podemos dizer que esse conjunto de trabalhadores improdutivos não é integrante de nenhuma das duas classes fundamentais do modo de produção dominante: a classe produtora e a classe exploradora. Entretanto, os trabalhadores improdutivos não podem ser enquadrados em uma só classe social, denominada “classe média” ou então ser enquadrados em diversas classes sociais denominadas “classes médias” ou “classes intermediárias”. Como observamos anteriormente, este conjunto de trabalhadores improdutivos são o que podemos denominar “funcionários das formas de regularização” e a partir desta definição que podemos esclarecer esta questão. Em primeiro lugar, notamos que esses trabalhadores são improdutivos; em segundo lugar, observamos que eles existem para dar sustentação às formas de regularização; em terceiro lugar, observamos que existe uma diferenciação entre estes trabalhadores improdutivos e que isto demonstra existir várias classes sociais ao invés de apenas uma.

Se eles não são trabalhadores produtivos e nem donos dos meios de produção e distribuição, então não podem ser incluídos nem na classe produtora, nem na classe exploradora. Mas também não formam uma única classe. Para resolvermos esta questão temos que compreender a grande divisão entre estes trabalhadores improdutivos que formam dois grupos de classes sociais: as classes auxiliares da classe dominante e as classes subalternas. As classes auxiliares, por sua posição “social”, “econômica” e “política”, são classes que tendem a se aliar à classe dominante e suas atividades são voltadas para a reprodução das relações de produção e do conjunto das relações sociais. As classes subalternas, também por sua posição “social”, “econômica” e “política”, são as classes que tendem a se aliar à classe produtora e que suas atividades são voltadas para a reprodução geral da sociedade, mas sem exercer diretamente qualquer tipo de dominação. A tarefa de especificar quais são as classes auxiliares e as classes subalternas só pode ser realizada tomando-se como exemplo uma sociedade histórica e concreta e por isso nos limitaremos aqui a observar a sua existência.

A relação entre modo de produção e formas de regularização apresenta uma unidade e, simultaneamente, uma oposição. A unidade se encontra no fato de que as formas de regularização são uma derivação do modo de produção e, sendo assim, há uma identidade entre ambos. A oposição se encontra no fato de que as formas de regularização possuem uma “autonomia relativa” e, por isso, elas atuam sobre o modo de produção. A atuação das formas de regularização sobre o modo de produção só se manifesta como uma contradição quando ela é produto dos interesses das classes sociais formadas nas próprias formas de regularização. Isto, portanto, ocorre quando as classes auxiliares da classe dominante buscam se autonomizar e defender seus próprios interesses. Ou, então – como as formas de regularização realizam a reprodução das relações de produção (que, devemos lembrar, são relações de classe marcadas pela luta entre elas) e isto significa reproduzir, simultaneamente, suas contradições – quando os interesses de outras classes sociais que não a dominante se manifestam nestas formas, condicionando a sua atuação. Esta última contradição ocorre com mais força nas formas privadas de regularização. Além disso, existem as formas de regularização das classes exploradas, que tendem a entrar em contradição com o modo de produção dominante e com as formas de regularização que lhes são correspondentes.

A totalidade composta pelo modo de produção e pelas formas de regularização é o que chamamos de sociedade. Entretanto, existem sociedades que possuem no seu interior mais de um modo de produção. Por conseguinte, o conceito de sociedade expressa as relações entre o modo de produção dominante (quando existe mais de um) e modos de produção subordinados e as formas de regularização. Os modos de produção subordinados também possuem algumas formas de regularização (fundamentalmente, a cultura e a sociabilidade), mas que também estão subordinadas ao modo de produção dominante e suas formas de regularização, embora também possa entrar em contradição com ambos.

A articulação dos modos de produção depende da forma como o modo de produção dominante se relaciona com o(s) modo(s) de produção subordinado(s). Esta relação varia de acordo com a sociedade e é somente analisando os casos histórico-concretos que podemos descobrir o modo de articulação dos modos de produção. Mas podemos afirmar que existem duas formas de articulação: as baseadas em relações de dominação e as baseadas em relações de justaposição. No primeiro caso, temos o envolvimento do(s) modo(s) de produção subordinado(s) pelo modo de produção dominante, onde este, através de suas relações de distribuição, interfere e domina os demais modos de produção; no segundo caso, a articulação não ocorre na produção, mas somente através das formas de regularização, em especial, do estado, que articula em um mesmo território os modos de produção justapostos. O modo de produção dominante, neste último caso, é aquele que condiciona em benefício da classe dominante as formas de regularização e ocupa um espaço territorial mais amplo que os demais modos de produção. Além disso, em uma sociedade pode se realizar essas duas formas de articulação.

Isto provoca alterações na divisão social do trabalho e significa que, em casos de existência de modos de produção subordinados (ou justapostos), integram-se novas classes sociais na sociedade. Assim torna-se mais complexa a luta de classes e o seu resultado. Quanto à subordinação de um modo de produção nacional por outro igualmente nacional, isto só pode ocorrer a partir de certo nível de desenvolvimento da divisão social do trabalho criando um mercado mundial ou um sistema burocrático mundial. Antes disso tal subordinação só poderia ocorrer através do uso da força (dominação “militar”).

Portanto, é no interior dessa complexa luta de classes, derivada da luta entre as duas classes fundamentais, que se manifesta a historicidade de uma sociedade. O modo de produção dominante, ou seja, o modo de relação de classes que é dominante e, portanto, fundamental, oferece a dinâmica própria do movimento histórico de uma sociedade, que sempre se fundamenta em um modo de produção específico e, por conseguinte, possui uma historicidade específica.

Resta saber como se dá a transição de um modo de produção para outro, ou seja, como ocorre o movimento histórico de engendramento de um novo modo de produção. Isto só pode ser definido em casos histórico-concretos, pois é neste terreno que podemos entender o processo de transição que é específico em uma sociedade específica. É analisando uma sociedade específica com suas contradições e com os modos de produção potenciais existentes dentro dela e o processo no qual um desses últimos se manifesta e consolida que poderemos compreender a forma de transição de um modo de produção (dominante) a outro, que é sempre uma forma específica. Em outras palavras, cada sociedade possui dentro de si diversos modos de produção potenciais expressos nas classes sociais que, através de sua posição e luta, podem desenvolver novas relações de produção e assim criar um novo modo de produção dominante de acordo com os seus interesses.

A evolução histórica dos diversos modos de produção não segue um modelo esquemático e “supra-histórico”, tal como expresso na célebre sucessão de cinco modos de produção: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e comunismo (Stálin, 1982). A sucessão dos modos de produção não é “esquemática”, “pré-determinada”, “evolucionista”, etc. Esta sucessão dos modos de produção só pode ser compreendida através da análise histórica concreta e deve-se ter em vista que um modo de produção não evolui automaticamente e necessariamente para outro modo de produção definido a priori. Depois da história concretizada torna-se fácil dizer que ela seria necessariamente assim.

Dentro de uma sociedade submetida à lógica do modo de produção dominante existem diversas possibilidades históricas (modos de produção potenciais) e é a luta de classes que definirá qual dessas possibilidades se materializará, tornando-se o novo modo de produção dominante. Em uma análise histórica do passado já sabemos o resultado do processo e cabe, portanto, neste caso, descobrir a gênese de um modo de produção no interior de outro e como das diversas possibilidades postas uma se tornou predominante e vitoriosa.

Por isso, na Europa Ocidental, e só aí, houve a seguinte sucessão de modos de produção: modos de produção simples, escravismo, feudalismo e capitalismo. A sucessão de modos de produção, em outras regiões do mundo, ocorreu de forma diferente. Com a ascensão do modo de produção capitalista, a sucessão dos modos de produção passa, necessariamente, a se realizar a nível mundial. Somente uma hecatombe mundial tornaria isto equivocado.

A evolução dos modos de produção também não ocorre “rumo ao progresso”, pois um modo de produção pode, devido à determinada resolução das lutas de classes, ser substituído por um outro modo de produção que lhe é inferior, no sentido do desenvolvimento da divisão social do trabalho e das forças produtivas.

Os modos de produção simples são assim chamados por apresentarem uma divisão rudimentar do trabalho que se revela como divisão sexual e etária do trabalho. Por conseguinte, não possuem classes sociais, estado, etc. Neste sentido, um modo de produção simples possui como formas de regularização principalmente a sociabilidade e a cultura. Entretanto, apesar de sua “simplicidade”, comparando-os com os modos de produção classistas, os modos de produção simples possuem, cada um, sua dinâmica própria que surge de sua especificidade. Por isso, falamos em modos de produção simples, no plural, e não “modo”, já que eles possuem elementos comuns e, ao mesmo tempo, elementos específicos. Por conseguinte, quando falamos em modos ou modo de produção simples nos referimos aos aspectos comuns a todos eles e quando falamos em modo de produção simples de tal lugar ou região estamos nos referindo a um determinado modo de produção simples específico.

Mas como que, na Europa Ocidental, houve a transição de um modo de produção simples para um modo de produção classista. A questão a responder é: como surgiram as classes sociais e tudo o que derivou disto (o estado, a propriedade privada, etc.). Para Marx, é o aumento populacional que faz aprofundar a divisão social do trabalho e surgir as classes sociais e, conseqüentemente, o estado (Marx e Engels, 1982). Resta descobrirmos porque há o aumento populacional.

Consideramos que o aumento populacional é provocado pelo “desequilíbrio ecológico” e este, por sua vez, pela ação humana sobre o meio ambiente. O ser humano para sobreviver, como todo ser vivo, precisa se relacionar com o seu meio ambiente. Para fazer isso com mais eficácia, devido sua debilidade física, o ser humano realiza uma associação e cria ferramentas, armas e outros instrumentos. Os seres humanos associados – ao produzir e utilizar estes instrumentos – estabelecem uma relação diferenciada com o meio ambiente. Eles passam a ter vantagens na sua relação com os outros animais e com o meio ambiente em geral. Devido a isto, o ser humano consegue aumentar o seu tempo médio de vida, proteger mais eficientemente as crianças dos outros animais, melhorar o nível e a quantidade da alimentação, enfim, diminuir a taxa de mortalidade e aumentar a taxa de natalidade. Assim, o ser humano rompe com a estabilidade de sua relação com o meio ambiente e cria um “desequilíbrio ecológico” (desequilíbrio que, na verdade, é a instauração de um novo equilíbrio), graças ao desenvolvimento das forças produtivas.

Portanto, é este desenvolvimento das forças produtivas, marcado pelo aperfeiçoamento das capacidades físicas e intelectuais da força de trabalho humana e pelo aumento de instrumentos produzidos para sua auto-preservação, que gerou o crescimento populacional. Este crescimento, por sua vez, produz novas necessidades e um novo surto de desenvolvimento das forças produtivas e, consequentemente, o aprofundamento da divisão social do trabalho, o que leva ao surgimento das classes sociais, do estado, da propriedade privada, etc.

É assim que o modo de produção se torna um modo de relação entre classes sociais antagônicas. A história das sociedades torna-se a história das lutas de classes. Com o surgimento das classes sociais e da inevitável luta entre elas, surge, simultaneamente, a necessidade de sua abolição, que só se concretizará através desta mesma luta de classes. Entretanto, a superação das classes sociais não pode ocorrer com uma volta ao modo de produção simples, pois a roda da história não gira para trás. A história da humanidade, como toda história, é um processo de desenvolvimento temporal irreversível. Este é o grande problema da humanidade. Acontece que a história da humanidade produziu uma classe social, o proletariado, que pode levar à dissolução das classes sociais através de sua luta contra a classe capitalista. Assim se compreende a afirmação de Marx segundo a qual a humanidade só se coloca problemas que pode resolver, embora isto não se aplique a todos os casos. O proletariado expressa a possibilidade de resolução do grande problema da humanidade. Esta resolução não significa uma volta ao passado, ao modo de produção simples, e sim um avanço ao futuro, ou seja, à sociedade autogerida, já que esta não apresenta uma volta à divisão rudimentar do trabalho e nem a permanência da complexa divisão social do trabalho e sim sua abolição e substituição pela divisão temporal do trabalho.

 


Referências

 

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª edição. São Paulo: Ciências Humanas, 1982.

STÁLIN, Joseph. Materialismo Dialético e Materialismo Histórico. 3ª edição, São Paulo, Global, 1982.

 

 

 

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